Nosso Cantinho O IMPACTO 26.10.2013
Minha casa caiu,
mas viverá em minha mente
Maurinho Adorno
Um sentimento de angústia, dor e saudade. Foi o que senti ao passar dia desses pela Rua Ministro Cunha Canto e ver apenas um terreno no lugar da casa 421, onde nasci. Alguém colocou a casa ao chão, sem me pedir licença. Não existe mais, meu ponto de referência está destruído, mas não conseguirão, jamais, apagar de minha memória os excelentes anos que vivi naquela residência.
Era uma casa simples, de três quartos, sala, cozinha e banheiro externo, com forro de madeira e piso de assoalho que eu e minhas irmãs limpávamos com palha de aço e encerávamos aos finais de semana, até chegar a tardia enceradeira. Nela nasceram 7 filhos da dona Maria, todos pela parteira dona Sarah Leme da Costa.
A Rua Ministro Cunha Canto era de chão batido, onde jogávamos bola e fazíamos outras brincadeiras próprias da época. De quando em vez, descia uma carroça ou um carro de boi, pois os carros eram raros. Acompanhei os dias em que ela passou por uma verdadeira revolução, com o assentamento de paralelepípedos. Eu e alguns amigos ficávamos por horas e horas, sentados na sarjeta, vendo os homens esparramarem a areia e irem colocando, uma a uma, as pedras vindas de Jacutinga.
A lembrança mais remota da minha casa foi o amanhecer de um dia de Natal, eu com uns dois ou três anos. Ganhei um bumbo (esse termo é para os antigos) com duas baquetas. Coloquei a cordinha em volta do ombro, abri a janela de um dos quatros – rente à rua – e comecei a bater freneticamente. Deveriam ser umas seis horas da manhã. Esse brinquedo comprado pelo meu Papai Noel não me levou à profissão de baterista. Sou zero no ritmo e, quando canto, dizem que sou voz de taquara rachada.
No ano passado, recebemos a visita de uma amiga da capital, a Ivani Moreira, e fizemos “city tour” com ela, mostrando alguns pontos da cidade, como a Praça Rui Barbosa, o Zerão, o Clube Mogiano, e a Vila Áurea, o bairro outrora mais chique da cidade, além de outros pontos de minha terrinha. Com orgulho e uma grande ponta de saudade, eu a levei até o número 421 da Rua Ministro Cunha Canto, para mostrar-lhe a casa onde nasci. Sempre fiz isso com os que vêm me visitar.
O mais marcante em minha rua eram os vizinhos, todos eles nossos amigos, verdadeiros amigos que se reuniam à tardinha para um bate-papo na calçada. Ao lado de minha casa existia uma pequena viela, de uns 20 metros, em cujo final ficavam três pequenas casas, uma delas habitadas pela dona Sinharinha, uma benzedeira concorrida. Até gente chique, de carro, ia buscar a cura pela fé. Em certo dia, uma de minhas irmãs, a Marilúcia, estava com caxumba e se submeteu ao benzimento, com o intuito de ir aos bailes vespertinos de Carnaval. Dona Sinharinha a benzeu com muita oração e, no dia seguinte, ela estava curada.
Em uma dessas casas moravam o Dito Sapateiro e a Dona Izolina, pais de meu amigo Benedito Filho, o Benê, formado em Medicina em Portugal, com seus estudos custeados pelo irmão cabeleireiro Elpídio. No ano passado, Benê me ligou de Portugal, dizendo que pretendia voltar em definitivo ao Brasil e queria comprar a casa onde nasci para montar clínica e residência. Era a vontade de meu amigo voltar às origens, e morar no pedaço em que nascemos. Não deu certo. A casa, a minha casa, foi ao solo.
Minha rua era importante porque fazia a ligação do rural com a cidade. Seu nome foi dado em homenagem ao ilustre mogimiriano Dr. José Custódio da Cunha Canto, que se tornou ministro do Tribunal de Justiça de São Paulo. Viveu de 1848 a 1933, e era casado com Maria Antonieta de Ulhôa Cintra, uma mulher de estirpe, filha do Barão de Jaguara.
Minha casa não está mais lá. É a modernidade, substituindo o velho, o antigo, pelo novo. Não sei o destino que é reservado ao local, mas respeito a decisão do proprietário, até porque não era construção história. Continuarei a passar pela rua. Tenho certeza que sempre continuarei a vê-la, pois, para mim, ela continua e continuará viva em minha memória.