Nosso Cantinho O IMPACTO – 21.07.2012
A velha rodoviária, palco de triste morte
Maurinho Adorno
O local era ponto de atração pelas pessoas que chegavam ou saíam da cidade. Os curiosos tomavam a calçada da antiga rodoviária, um prédio imponente na confluência das ruas Padre Roque e Padre José. Alguns, mais ousados, se postavam nas plataformas de embarque e desembarque, onde tinham uma visão mais próxima dos passageiros. Muitos eram amigos do João Damásio, o biscoiteiro. Ele, com um enorme cesto de taquara, a cada chegada de ônibus se postava à porta do coletivo para oferecer sua guloseima e depois percorria as laterais do veículo, vendendo de janela em janela. Assim, ele passava todo o dia, desde o primeiro ao último ônibus, e dessa forma sustentou sua família. Era bonito ver os ônibus descerem a rua Padre Roque e estacionarem, depois de algumas manobras executadas por motoristas hábeis. Eu não frequentava o logradouro e a lembrança dele data de 1960, numa tarde de um domingo.
Um dos motoristas da Viação Cometa era o mogimiriano Mauro Honório Correia, irmão do Gilberto e da Dagmar, esta minha madrinha de batismo. Todo imponente, de uniforme azul e óculos escuro - vestimenta tradicional da empresa - encostava o grande ônibus, descia para um cafezinho e cumprimentava os muitos amigos e familiares, todos orgulhosos da profissão de meu xará. Eu estava com 10 anos. Naquele domingo, meu pai foi levar minha irmã Maristela para tomar o ônibus para São Paulo. Ela havia terminado o curso Científico e partiria para novos estudos e trabalho. Acho que eu não tinha percepção do que estava acontecendo e o que iria acontecer: a distância e a saudade. Mala no bagageiro, meu pai se dirigiu ao motorista Mauro e disse: “tome conta dela”. Na rodoviária de São Paulo, minha tia Cinira, a Noca, esperava por minha irmã.
Alguns anos após, menino ainda, comecei a frequentar a rodoviária. Toda segunda-feira eu levava pacotes do jornal “A Comarca” para despachar para Conchal, Artur Nogueira e Santo Antonio de Posse. Em outro dia da semana voltava para buscar as colunas dos correspondentes dessas cidades. Era radiante poder frequentar o templo dos viajantes. Foi no ano de 1964, na rodoviária, que conheci o empresário Cesar Dias Fragoso, proprietário do bar e restaurante. Alegre, educado e comunicativo, Cesar compartilhava o trabalho com sua esposa, Alcina Pires, e com os filhos Ana Maria, Ana Lúcia e Luiz Fernando, o conhecido amigo “Doutor Fragoso”. Em sua lanchonete tinha de todos os tipos de lanches, mas o que eu mais apreciava eram os feitos com pão francês e recheios frios, todos eles acondicionados em pirex e expostos à gula dos transeuntes. Um de aliche era insuperável, talvez para fazer jus à origem portuguesa do seu Cesar.
Como em toda cidade interiorana, ela, a rodoviária, era palco de encontro de amigos para os mais variados assuntos. Na discussão política, sem dúvida a presença e participação de José Jorge da Silveira Cintra, o Cintra, gerente da Viação Cometa que, anos mais tarde, seria eleito vereador e ocupante de uma das cadeiras do Legislativo mogimiriano. Com sua maneira afável, Cesar Fragoso conquistou a simpatia da comunidade - de todos, pois não distinguia classe social, credo e nem raça. Entrou para o Rotary Club e fez diversas reuniões na área reservada ao restaurante. Era o local ideal. Com o crescimento da população a velha rodoviária ficou inviável: os ônibus desciam a Padre Roque e sempre tinha um estacionado logo acima, esperando uma vaga na plataforma. As ruas centrais também não comportavam mais os veículos, principalmente a Treze de Maio e a Marciliano, ambas utilizadas para as saídas dos ônibus.
Toda rodoviária é ambígua: Naquela época era comum o acompanhamento ou a recepção de amigos e parentes na estação. As pessoas chegavam alegres e reencontravam suas famílias; contudo, as que deixavam a cidade amargavam a dor da separação – elas e seus acompanhantes. Naquele domingo, vimos o Cometa descer a Padre Roque e contornar à esquerda na rua Coronel João Leite, para ganhar a 13 de Maio e seguir em direção à pista. Meu pai estava triste. Tristeza mesmo aconteceu no local quando um ônibus, ao manobrar para sair da plataforma, perdeu os freios e prensou o jovem Carlos Agritelli em uma casa. Morte sentida desse cunhado do Antonio Morari, o Toninho Morari, antigo vereador na cidade. Muita gente no local e muita comoção. A velha rodoviária teve que sair para morar à margem da pista. Não é mais a mesma. Perdeu o brilho e o glamour dos velhos tempos. Cesar Dias Fragoso que o diga.
Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.
2 comentários:
Que delicia voltar ao tempo! Quantas boas recordacoes essa sua cronica me trouxe.
Lembrancas dos bons tempos em que eu pegava o onibus da viacao Cometa para ir estudar ingles em Campinas. O café-com-leite no copo (aqueles que pareciam copos de requeijao) era rotina.
Eu achava "chic" pegar o onibus para ir a Campinas!
Obrigada por me levar para este tempo tao bom e inesquecível que carregarei para sempre em minha memória e coracao.
Rosangela Scheithauer
Artista Plástica - Viena - Áustria
Agradecemos - lá na Áustria - a artista mogimiriana - Rosângela Scheithauer - que lê e divulga nossos blogs à toda EUROPA - com seus ricos comentários e valorização das artes aqui da sua querida terrinha!
Agradecemos os ricos detalhes, Rosângela - que vieram ADORNAR ainda mais esta rica crônica do criativo amigo Maurinho Adorno.
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