Vou fazer serenata
ao ilustre governador
“Lata d'água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria. Sobe o morro e não se cansa, pela mão leva a criança, lá vai Maria. Maria lava roupa lá no alto, lutando pelo pão de cada dia, sonhando, com a vida do asfalto, que acaba onde o morro principia”. Minha mãe cantava essa música enquanto ensaboava nossas roupas, com sabão feito por ela mesma, com sebo de boi e soda cáustica, e continuava a cantoria durante o tempo em que esfregava a roupa em um tanque de cimento. Era alegre e feliz.
Naquela época não havia água encanada, mas todas as casas possuíam seu poço, de onde tiravam o líquido com o auxílio de uma corda, uma roldana e uma lata de óleo de 20 litros. Muitos tomavam dessa água, sem ferver, pois na época não existia a contaminação dos lençóis freáticos. Em algumas casas, talvez pela conformação geológica, a água era mais leve e seus proprietários abriam suas portas aos vizinhos. E era comum se ver mulheres com latas d’água na cabeça.
Com a chegada da televisão, começamos a conhecer o problema da seca no nordeste, algo inusitado para todos nós. Eu me lembro de uma campanha feita pelo rádio e televisão, pedindo auxílio para os “flagelados” do nordeste, um povo sofrido, sempre vivendo bravamente, mesmo vendo e convivendo com suas plantações castigadas, e seu gado morrendo à míngua pelo grande período de seca. Eles, os nordestinos aprenderam a conviver nessa situação e nós, do sudeste, jamais imaginaríamos viver dessa maneira.
Os entendidos no problema da água e, principalmente os responsáveis pelo monitoramento hídrico, são unânimes em informar que em anos anteriores nós já tivemos períodos de estiagem prolongada como o deste ano no estado de São Paulo, mas a seca de agora revela um fato importante: as nascentes secaram e, por mais que venham a jorrar, não serão benfazejas como o foram no passado. Escrevi uma crônica sobre o uso de perfume francês, a picardia beira a realidade.
Na crise da água, o governador Geraldo Alckmin jurou, de pés juntos, que a água não faltaria na capital até março de 2015. Enrolou os eleitores para ganhar a eleição. Enrolou tanto que eu me lembrei da corda que descia ao fundo do poço amarrada à lata d’água. Ele já tirou água até do lodo das represas e agora pretende reutilizar o esgoto, na verdade, transformar merda em água. Se ele o fizer, dou minha vida novamente para vê-lo, como médico sanitarista, tomar dessa água recuperada do mais poluído rio brasileiro.
Nesse momento de crise líquida – de água e de petróleo, com os roubos na Petrobras – penso seriamente em fazer uma consulta com o geriatra Oscar Faria Junior para esclarecer se estou com senilidade ou algum outro distúrbio. Meu pensamento, a cada dia que vejo o Alckmin falar sobre o tema, é em ir ao Palácio dos Bandeirantes e presenteá-lo com um tonel de carvalho de 200 litros do perfume Lancaster, um perfume de antigamente cujo odor atravessava fronteiras.
Na verdade, espero que São Pedro abra as torneiras e derrame a água do céu e um pouco de sensatez ao senhor governador. Dependendo de meu médico e de São Pedro, se tudo não sair como espero, vou mudar minha forma de protesto: vou acampar na residência oficial de Vossa Excelência e fazer homenagens diárias, cantando: “Lata d'água na cabeça, lá vai Geraldo, lá vai Geraldo...”
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