Nosso Cantinho O IMPACTO 01.03.2014 – Maurinho Adorno
Os buracos da minha vida,
digo, os buracos da minha rua
Na vida de todos nós, há lugares que marcaram nossas existências. Eu, particularmente, tenho um carinho especial pela Rua Ministro Cunha Canto, onde nasci pelas mãos da parteira Sarah Leme da Costa. Essa rua fez parte de minha infância; utilizada para as partidas de futebol, jogo com bolinhas de gude, e outras diversões da época.
Era uma rua de terra, poeirenta e enlameada nos dias de chuva. Assisti a sua transformação com a colocação de paralelepípedos, assentados sobre areia. Não mais morando no local – mudei aos 13 anos – fui até ela ver a aplicação do asfalto sobre as pedras. E, no ano passado, fui ver também o terreno vazio resultante da demolição de minha casa. Era a minha rua e continuará sendo até os últimos dias de minha vida.
Morei em mais três lugares e em todos vivi fatos marcantes, pois cada um tinha sua característica própria. Agora, há mais de 20 anos, estou morando no Jardim Paulista, um bairro de classe média, bom de se viver. Alto e saudável, com excelente acesso ao centro, através das avenidas Juscelino e 22 de outubro. Mas, a minha nova rua!!!
A Rua Antonio Bertazoli tem muito a ver comigo. Nasci no dia 20 de julho, mesma data em que, em 1969, o astronauta americano Nei Armstrong pisou sobre o solo da lua. Eu me lembro, como se fosse hoje, os repórteres falando das famosas “crateras lunares” e até penso que minha nova rua, hoje, faz homenagem à lua. Não sei se estou certo em minhas elucubrações, ou se estou vivendo “no mundo da lua”, tantas são suas crateras.
Ao entrar em casa numa tarde, após fazer um zigue-zague interminável para desviar o carro e não cair nos buracos, eu fique refletindo: “e se eu cair em um buraco igual a esses, onde é que vou parar?”. Consultei um mapa mundi e também minha esposa Maria Eugênia, geógrafa de formação que, rindo, achou hilária minha conclusão: “eu chegaria à Austrália”. Gostei da ideia.
Desde criança, aprendi que o país da Oceania é o habitat dos cangurus. E tal qual uma criança, fiquei pensando: eu poderia trazer para a minha rua um canguru, me alojar na bolsa dele, e desfilar do início ao fim dela – eu sentado em sua bolsa, dando risada e cumprimentando meus vizinhos. O canguru, pulando os buracos. Com certeza, o trânsito pararia, eu chamaria a atenção de toda a cidade. Mas, certamente, não chamaria a atenção do alcaide (prefeito municipal).
Numa noite dessas, todos nós moradores da Antonio Bertazoli, nos reunimos em assembleia geral extraordinária, para um debate sobre os buracos de nossa rua. Três propostas tiveram receptividade unânime, e em outra reunião, elas serão votadas. Em todas, vimos a necessidade de se interditar a rua. Um requerimento nesse sentido foi aprovado e será encaminhado às autoridades municipais.
Um vizinho, fazendeiro há mais de meio século, altamente conhecedor de criações de bovinos, caprinos, aves e uma infinidade de bichos, propôs fazermos uma criação de tatus. Defendeu sua proposta, dizendo: “ela será rentável, pois nós já temos os buracos para os tatus”. E complementou: “com o dinheiro da venda dos tatus, nós podemos pagar os vigilantes noturnos, já que a GM não passa em nossa rua”.
Uma pedagoga pensou numa utilização diferente, usar o espaço para o esporte e lazer das crianças. “Vamos tornar nossa rua um verdadeiro campo de bolinhas de gude, pois nós já temos os buracos”. Ela foi aplaudida em pé, e alguns moradores, mais visionários, acham que se a moda pegar, a atividade pode se espalhar por quase toda a cidade. Precisamos comprar bolas bem maiores.
Um professor de educação física levantou-se e deu sua opinião:
– O ideal para o aproveitamento da rua é montarmos diversas quadras de basquete, utilizando os buracos como cestas. Tá certo que o buraco é mais embaixo, mas isso não será problema.
Outro morador, com tirocínio rápido, sugeriu:
– Nós vamos fazer equipes com seis jogadores de cada lado. 6 + 6 = 12. É uma homenagem à cidade que escolheu o 12.
O professor de educação física tomou a palavra novamente:
– Para jogar contra nossa equipe podemos trazer os 12 vereadores que dão sustentação ao prefeito na Câmara. Eles jogarão com 12 jogadores e nós com 6. Enfim, eles mandam em tudo. E nós podemos também trazer o árbitro da partida: sua excelência, o prefeito.
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