Nosso Cantinho O IMPACTO 05.07.2014 – Maurinho Adorno
O canto melodioso
dos pássaros na cidade
Meu celular está programado para me acordar diariamente, com uma música suave escolhida por mim, bastante diferente daqueles ruídos dos despertadores de outrora, hoje meras peças de museu. O interessante é que, na maioria das vezes, desperto antes que ele me alerte do horário, e vejo isso como a ansiedade para não perder a hora. Sempre foi assim, mas há dias em que eu o desligo e continuo a dormir; são ocasiões em que vou para a cama mais tarde, por um motivo ou outro.
Nesses dias em que o sono persiste, logo tocam os melhores despertadores, todos eles saltitantes, alegres e felizes, alojado em uma jabuticabeira de meu quintal. São passarinhos diversos, como pardais, rolinhas, sabiás e bem-te-vis, todos eles hóspedes do “Hotel das Jabuticabas”. Às vezes, aparece um bando das estridentes maritacas. São cativos e fazem o pernoite independente de ser ou não época de frutos. Eles cantam forte, e descem ao chão para o café da manhã: miolo de pão, picadinho, preparado pacientemente todos os dias por minha sogra, Maria Augusta.
Tem um bem-te-vi com um peito amarelo muito bonito, que não para de cantar até as 09h00. Ele fica se comunicando, chamando amigos ou parentes, a uma distância razoável de minha casa; e, pelo que percebo, são hóspedes de outras árvores. Algumas vezes fui ao quintal para apreciá-lo; ele tem um canto forte, em contraste com seu tamanho – é o menor do bando. Fico imaginando, ele e seus amigos, combinando a revoada pelos ares do rural, para onde vão, em busca de raros alimentos, principalmente grãos e frutas.
O mundo mudou. Graças a Deus, em alguns aspectos mudou para melhor. Nos velhos tempos, as pessoas saiam para o rural, munidas de alçapões e redes, e faziam uma caçada descomunal. Aprisionavam esses pássaros em suas casas, em gaiolas. Eles cantavam, acredito que lamentando pelo cárcere. Existia um comércio aberto, e os menos escrupulosos davam até pimenta para que suas aves cantassem mais, e alcançassem um bom preço. Meu pai teve apenas um, cujo fim foi morrer estrangulado no aramado da gaiola, tentando fugir de um gato.
Na rua onde eu morava – a Ministro Cunha Canto – existia uma máquina de beneficiar arroz, e ela era um ponto de encontro, principalmente das rolinhas. Após o arroz ser descascado, as palhas eram canalizadas para os fundos do barracão, a céu aberto, e, junto a elas, um pouco de quirela, uma festa aos passarinhos. Um grupo de jovens caçava as rolinhas com arapucas feitas de bambu trançado; depois de mortas, elas eram fritas pela esposa do proprietário da beneficiadora. Era um crime normal à época.
Com o passar dos anos, com a caça predatória, os pássaros chegaram à beira da extinção. É difícil, em nossos dias, vermos um canário da terra, uma coleirinha entre outros. Mas, as aves estão voltando, por dois motivos, a legislação rígida, classificando a caça a determinadas espécies como crime inafiançável, e a conscientização da população. Existem alguns pássaros chamados “de gaiola”, cuja criação em cativeiro é permitida. Esses não conseguem viver soltos, pois são vítimas de predadores.
A migração dos pássaros para a área urbana se deve, pelo menos em minha região, à falta de alimentos na zona rural. Não se plantam mais os grãos, alimentos indispensáveis ao sustento das aves. Hoje o domínio é o plantio da cana de açúcar. Na cidade, árvores frutíferas mantém a espécie. E, como é bom acordar ao som do canto dos passarinhos. Eu, de família originária do rural, me renovo toda manhã e à tarde, quando eles retornam ao “Hotel da Jabuticabeira” para o pernoite. E agradeço a Deus pelo meu melódico despertador.
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