Sob o olhar de Maurinho Adorno – Gazeta 16.10.2014
Um grande desafio,
trabalhar em cerâmica
Na minha infância comecei a admirar Mogi Guaçu, por um motivo: o seu caudaloso rio, sempre a nos oferecer excelentes peixes, como os dourados, curimbatás, mandis e lambaris, trazidos à nossa casa pelas pescarias de meu pai, ou de um português radicado em Mogi Mirim, que os vendia porta a porta, com sua carroça, gritando “tá pulando, tá pulando”, anunciando os peixes frescos, recentemente pescados. Foi marcante, nessa época de minha vida, um dia em que meu pai me levou a uma pescaria em um ponto abaixo da antiga Champion Celulose.
Não é minha intenção, nessa crônica, falar de um rio que está morrendo por falta de tratamento de esgoto das cidades que o margeiam. Mas, não deixo de lembrar que sua poluição vem das residências e das indústrias, em uma sequência de irresponsabilidade dos poderes públicos, pelo não tratamento e fiscalização das fontes poluidoras. Como vem também da agricultura, especialmente a canavieira, por despejar seus pesticidas e inseticidas em suas águas. Hoje, dia do professor, pretendo falar sobre o aprendizado que tive com a cidade e sua população no curso de minha vida.
Um dia, pequeno ainda, meu pai me levou a Mogi Guaçu, com o ônibus conhecido como “Itamoca”. Descemos na Praça Rui Barbosa, o “Convívio” de nossos dias. Ela era de terra e à frente dos estabelecimentos comerciais, cavalos e charretes eram amarados pelos agricultores, em dia de compras: não me lembro, mas acho que esse dia foi um sábado, até porque durante a semana meu pai trabalhava intensamente. Demos algumas voltas pelo comércio, meu pai cumprimentou uns dois ou três conhecidos, e depois fomos ao ápice do passeio: pastel de carne e de queijo numa pequena pastelaria.
Nos tempos de juventude, existia uma grande rivalidade entre as duas cidades: no futebol, a torcida do Clube Atlético Guaçuano se rivalizava com a do Mogi Mirim Esporte Clube, e vice versa. Nos bailes, os jovens guaçuanos não eram bem vistos no Grêmio Mogimiriano e, em contrapartida, os mogimirianos sempre foram vistos como rivais no Cerâmica Clube. Nessa época, eu tinha diversos amigos com idades mais avançadas, responsáveis pela minha imunidade física no território guaçuano. Um deles era o Francisco Marquesi, o Chicão, um dos grandes nomes do basquete regional.
No início da década de 70, arrumei uma malinha, com destino a São Paulo, para tentar “progredir na vida”, como faziam os jovens no passado. Fui num domingo, após o almoço e, na segunda-feira, recebi um telefonema de uma irmã, para retornar a Mogi Mirim e me apresentar, na terça, na Cerâmica Gerbi, no distrito de Estiva Gerbi, antigo distrito guaçuano. A empresa tinha uma vaga no departamento de vendas, na capital.
Minha irmã Mariângela era amiga da Cristina Finazzi, cunhada do empresário Reynaldo Gerbi. Em meu currículo, o diploma de professor primário, alguns anos no jornalismo e, o mais importante, a seriedade e honestidade de minha família. Nada a ver com departamento de vendas. Em verdade, quando criança, havia vendido ovos, frangos e polvilho na feira de rua de minha cidade, na época em que construíam o Mercado Municipal, hoje absurdamente desativado. De cerâmica, somente sabia pisar nelas.
A conversa foi boa, na verdade um dos grandes desafios de minha vida: gerenciar, no mais breve tempo possível, o departamento de vendas da Gerbi na capital e grande São Paulo. A empresa me pagou cursos de vendedor, supervisor de vendas e de gerência de vendas. Para conhecer o produto, nas sextas-feiras eu estava em Estiva, aprendendo tudo sobre a fabricação de cerâmica: sistema monoqueima, esmaltação, etc. Mas, definitivamente, meu negócio era jornal: a Folha de São Paulo me abriu as portas.
Nos inúmeros anos de convivência com guaçuanos, dirigindo a “Gazeta Guaçuana”, tive oportunidade de contar essa passagem de minha vida. De vez em quando eu me encontro com o Marcelo Gerbi, filho do Reynaldo, meu patrão, a quem sempre tive o maior respeito e admiração. Por motivos diversos, como a entrada de produtos importados a preços baixos e o elevado “Custo Brasil”, as cerâmicas guaçuanas sucumbiram, a exceção da Lanzi, que sobrevive heroicamente num mercado difícil. Lembro-me, desse tempo, com saudosismo e muita saudade.
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