Impossível
Por Walter Hupsel | On The Rocks – 1
Difícil escrever sobre a enorme tragédia da madrugada do domingo. Uma festa de estudantes, mais de duzentos e trinta mortos, e contando. Impossível não se emocionar, não chorar com os relatos dos sobreviventes que, hoje, vivem menos, marcados pela tragédia e pelas irresponsabilidades. Impossível não se emocionar.
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Celulares dos mortos tocando ininterruptamente, na boate ou no necrotério. Família, amigos, conhecidos tentando ter notícias das pessoas que estavam na festa. Bombeiros, médicos, voluntários desesperados a cada toque. Eles tinham notícias a dar, mas as piores possíveis. Impossível não se emocionar.
A tragédia estava anunciada. Não em Santa Maria, na Boate Kiss, mas em todo Brasil. Os jovens presentes na festa tiveram o azar de tudo ter acontecido ali, naquela madrugada de alegria e celebração. Impossível não se pôr no lugar.
Azar? Sim, infelizmente azar. Não um azar sem causas, uma fatalidade. Nunca. O que aconteceu em Santa Maria não foi uma fatalidade, embora pudesse ter acontecido em qualquer lugar no Brasil. O que aconteceu tem nome, e muitas vezes, também sobrenome. Impossível não se indignar.
Bastou uma fagulha, uma irresponsabilidade coletiva dos músicos e responsáveis pela boate para, quase instantaneamente, causar a morte de mais de 230 pessoas. Isso equivale, aproximadamente, a 0,1% da população da cidade, uma em cada mil. A título de comparação, seriam quase 12.000 pessoas em São Paulo. Hoje, todos em Santa Maria conhecem alguém que morreu na Kiss. Impossível não se comover.
Os seguranças da boate, quando começou a confusão, imaginaram se tratar de uma briga. Pessoas desesperadas tentando sair. Não puderam, foram impedidos. Afinal, o que são vidas em risco em comparação a uma comanda? Não há desculpas. Mesmo se fosse uma briga, confinar as pessoas as põe em risco. A exigência da comanda, sobretudo, pode ter causado a morte de algumas pessoas. Impossível não se indignar.
A falta de condições mínimas de funcionamento da Kiss, sem saídas de emergência compatíveis com a quantidade de pessoas que se aglomeravam lá dentro, sem rotas de fuga também foi responsável por tantas outras mortes. As normas existem, mas a fiscalização é falha e corrupta.
A boate estava com seu alvará de funcionamento vencido. Isso significa, mais que tudo, que ela teve, um dia, autorização para funcionar. Com todas estas falhas gritantes, alguém autorizou. Por quê? Só há duas respostas possíveis: extrema incompetência ou, mais plausível, por motivos escusos, ilegais e imorais.
Este é o custo da corrupção. Melhor, da “corrupcinha” do dia a dia. Um café para o guarda, um agrado ao fiscal. E corrupção, caros, é sempre via de mão dupla. Alguém paga por um “favor” que outro alguém vende. Ambos, passiva e ativamente, cometeram crimes. Impossível não se indignar.
Os celulares tocam no necrotério. Em algum lugar o “café” pago e recebido pode ter matado mais de duzentas pessoas. Poderia ter sido em qualquer lugar do Brasil. Impossível não se emocionar e não se indignar. Impossível.
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