Nosso Cantinho O IMPACTO 06.04.2013
Meu tio superou
o triste vício do jogo
Maurinho Adorno
Meu tio Cezar Silveira Pimenta, o tio Cilo, era jogador profissional. Seus locais de trabalho eram as mesas de carteado e os campos de bocha. Solteiro, vivia com meus avós em São João da Boa Vista. Em verdade, passava por lá uma a duas vezes por mês, pois sua vida era perambular por todo o Estado, incluindo a capital, participando de jogos individuais ou torneios. Era meu padrinho. Às vezes, passava por nossa casa em Mogi Mirim e era uma verdadeira festa. Nós sabíamos que teríamos balas e doces, além de refeições diferenciadas, de nível infinitamente superior daquelas de nosso dia a dia. Era espirituoso, sempre fazendo brincadeira, como esconder balas pelos cômodos da casa e nos seguir, dizendo quem estava frio (longe do prêmio) ou quente, já perto do esconderijo.
O hobby de meu tio era o cinema: era fanático por filmes de faroeste. Era uma alegria para nós, ainda crianças, vê-lo contar os últimos espetáculos que havia assistido. Sentávamos no chão da sala e ele em pé à nossa frente, contando e gesticulando. O tiro da bala do mocinho, no duelo com o bandido, tinha um som especial que saía de sua boca. Era rico e minucioso nos detalhes. O cavalo, a roupa, o tipo físico, a arma do mocinho - era como se nós os víssemos, como se eles estivessem em nosso ambiente. John Wayne, Gregory Peck, Tyrone Power e Randolph Scott eram seus ídolos. Sacavam rápido suas armas e disparavam tiros certeiros nos bandidos, impondo a lei e a ordem no oeste americano. Eram também nossos heróis. O oeste foi colonizado e esses filmes fazem parte do passado.
Tio Cilo tinha 36 anos e eu 16, quando ele me chamou para uma conversa “de gente grande”. Explicou os detalhes de sua vida, viajando de cidade em cidade, hospedando-se em pensões de nível baixo, e passando as noites em claro, fumando e segurando as cartas. Não pagava aposentadoria. Ele me disse que o jogo era ilusório. Lembro bem de suas palavras: “Um dia você ganha, no outro você perde. Eu não tenho casa e nem família. É uma vida triste”. Conheci o outro lado da moeda. De um lado, um homem sorridente, aparentemente feliz por assistir seus filmes prediletos e narrá-los com prazer e, de outro, um homem solitário, sem perspectivas de vida pelos seus dois vícios, o jogo e o fumo.
O destino de meu tio era morrer só. Ele arrumava uma namorada aqui, outra ali, mas não dava a elas a atenção necessária, em virtude de seu vício e de suas viagens. Aos 40 anos, como dizia minha mãe, resolveu “sossegar o pito”. Arrumou um emprego na Faculdade de Direito de São João da Boa Vista e ganhou na loteria: a namorada Gabriela da Silva, pessoa simples, mas de caráter e dignidade a toda prova. Ela foi a responsável por ele abandonar o vício do jogo. Casou com a “Biela”, como ele a chamava, e construíram uma excelente vida juntos. E Deus lhes deu duas filhas, a Andréia e a Patrícia, além de cinco netos.
O jogo de baralho, de bocha e até mesmo as loterias podem e devem ser praticados como forma de lazer. Vi muitas pessoas perderem bens. Outras destroem suas famílias. Usar esse espaço para falar de minha própria família pode parecer piegas – ou é – mas a ideia é que o relato deixe a mensagem de que sempre é tempo de parar, tempo de abandonar o vício, de reiniciar a vida - uma vida nova. É uma luta árdua, sempre vencida com a ajuda da família, especialmente da cara metade. E de profissionais de saúde especializados na área. Ele nos deixou cedo, com apenas 59 anos. Pela sua mudança de vida, tio Cilo virou meu ídolo, tal qual o era o John Wayne nos velhos tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário