Nosso Cantinho – O IMPACTO – 09.11.2013
Esse calor tá foda,
e ninguém se incomoda
Maurinho Adorno
Acho que existe certa hipocrisia nas pessoas ao recriminarem o chamado palavrão ou “palavra feia”, como dizia minha mãe. Elas dizem essas palavras, mas não admitem que o façam, pelo menos publicamente. Diversas delas, usáveis em nosso dia a dia, estão incorporadas em nosso diálogo, e algumas já passaram a constar nos dicionários. Usos e costumes mudam com o tempo e, o que era errado ontem, pode não sê-lo hoje.
A reflexão que faço nessa crônica, veio à mente num dia em que meu filho mais velho, o Maurinho, escreveu publicamente uns impropérios para demonstrar a sua indignação com a classe política, no que se refere à corrupção. A mãe de uma amiga minha diria que ele tem a “boca suja”, e imediatamente, o mandaria lavar a boca. Na hora, fiquei boquiaberto, mas depois comecei a pensar: eu também falo “nome feio”?
No campo de futebol, a cada erro dos árbitros, um coro de milhares de torcedores grita com todas as forças de seus pulmões: “filho da puta”. Nele se incluem mulheres-mães e seus filhos menores. Eu já vi e ouvi isso. É óbvio que eles não se referem às mães desses profissionais do apito. O significado desse fdp é totalmente diferente, quer dizer: ladrão. E, de outro lado, não se pode generalizar: nem toda mãe de ladrão é puta.
Ainda bem que os tempos estão mudando. Antigamente, em uma briga de boteco, dizer que o rival era “filho da puta”, a ofensa poderia ter como desfecho a morte. Da mesma forma, em uma fechada no trânsito, o fdp sai da boca com naturalidade.
Juscelino Maróstica era filho de uma prostituta, proprietária de uma casa de prostituição em Bauru, próxima à casa da Eni. Certa feita, ele teve seu carro abalroado em uma das ruas da cidade. Desceu do veículo, bastante irado e, de revólver em punho, foi tirar satisfação com o motorista, após ter sido chamado de “filho da puta”:
– Você conhece minha mãe? Sabe como ela ganha a vida?
O apavorado motorista não teve tempo para nada. Levou três tiros na cabeça. Na delegacia, Juscelino disse ao delegado que havia matado “em legítima defesa da honra”. Conclusão: toda puta é honrada.
Ao pensar detidamente sobre as palavras de meu filho, eu lembrei que uso sempre a palavra “merda”, sem qualquer ligação com o bolo fecal. Derramo qualquer coisa no chão e digo “merda”. “Merda, esse meu dente está doendo”! E, assim vai. Honestamente, acho que todos dizem. Não dá para dizer “graças a Deus” quando se derruba um objeto pesado bem na unha do dedão do pé. Não é mesmo?
Uma palavra que usam para demonstrar indignação é a tal da porra. É comum ouvirmos uma pessoa dizer que “o fulano não vale porra nenhuma”. Obvio que a porra vale muito. Como sinônimo de espermatozoide, é o início da vida. Às vezes, ela é usada para exprimir satisfação. Tenho amigo que a usa como descontentamento: “essa porra de cerveja está quente”, ou “não estou entendendo porra nenhuma” – nesse caso a porra não vale nada.
Lazarento, dizem, tem sua origem em São Lázaro, pela lepra que carregava na face; ele foi curado por Jesus Cristo. Era comum, quando saíram os carros movidos a álcool, amaldiçoarem o veículo que não pegava na partida dada em manhãs friorentas. “Esse lazarento não pega”, dizia o condutor irritado e apressado. Nunca gostei desse sinônimo para classificar o que não prestava.
Esse calor de hoje “tá foda”. A colocação é comumente usada para exprimir nosso descontentamento com pessoas ou coisas. Um amigo, o saudoso João Sagui, costumava dizer “tá foda e ninguém se incomoda”, quando comentava sobre economia e políticos. Não se incomodavam nos velhos tempos, e nem em nossos dias.
Não sei porra nenhuma porque escrevi essa crônica. É foda você escrever os chamados “palavrões” sabendo, de antemão, que será criticado pelos que usam e pelos que não usam esses termos. Não vou seguir a carreira, até gloriosa de Nelson Rodrigues. É culpa de meu filho, Maurinho. Contudo, podem criticar, me maldizer e até me mandarem para o inferno, mas tenham a certeza de que não mandarei ninguém se foder ou ir à PQP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário