sábado, 23 de agosto de 2014

QUEBREI A PERNA - mais admirável obra em crônica do sapiente amigo dos velhos tempos -MAURINHO ADORNO - que oferece sua educada muleta a vários vereadores ... Uma leitura agradabilíssima!


Nosso Cantinho O IMPACTO 23.08.2014 – Maurinho Adorno
Estou no hospital.
Quebrei a perna de novo.
Ao abrir a sessão de Câmara, o presidente Benedito do Couto, o Dito da Farmácia sapecou:
– Nobres companheiros, eu não vou mais alugar um prédio para a Câmara, vou reformar esse prédio, e depois vou construir um novo, lá onde ficava o matadouro. A partir de hoje esse poder será independente.
Nesse momento, os demais 16 vereadores se levantaram e os aplausos foram estridentes. A plateia batia palmas e, em coro, gritava: Dito, Dito, Dito! Em seguida, reempossou a vereadora Márcia Rottoli, dando-lhe a palavra:
Estou retornando ao legislativo, pois fui eleita para estar aqui e respeitar os votos dos 670 mogimirianos. Deixei a Secretaria da Educação por não concordar com a compra de guaraná a R$ 4,60 para os alunos da rede pública. Eu compraria em distribuidora, em garrafas Pets de dois litros.
Aplausos da plateia. A vereadora Luzia, estupefata com a o pronunciamento, teve um princípio de desmaio, e foi prontamente socorrida pelo seu marido, o médico Paulo Silva.
A sessão foi interrompida para reempossar o vereador Marquinhos da Farmácia. Empossado, ele usou da palavra:
– Eu estive alguns meses à frente da subprefeitura de Martim Francisco. Hoje, cortando o cabelo na cadeira de barbeiro do meu irmão, o Zé Godoi, refleti muito, e me arrependi, assim como a Márcia, de ter abandonado meus 984 eleitores. E entoou parte de uma música do Roberto Carlos: “Eu voltei, agora prá ficar, porque aqui, aqui é meu lugar”.
Novos e efusivos aplausos da plateia. Os vereadores todos em pé; deu até para ver as lágrimas saírem dos olhos de alguns.
O Dito da Farmácia retomou a palavra, mas foi interrompido pelo vereador Laércio Pires. Ele ajeitou seu paletó branco e apertou a gravata estampada, amarrada à camisa bordô:
– Eu peço a palavra, senhor Presidente, para dizer que nesta semana consultei uns Pais de Santo e tomei água da Rua Biquinha do Conselho. Depois, fui a São Bernardo do Campo e devolvi o dinheiro que recebi erradamente do Instituto de Previdência Social de São Bernardo. Eu estive pirado e não sabia que não poderia receber nos dois lugares. Hoje estou curado, graças aos 620 votos de meus eleitores mogimirianos. 
Os aplausos dos vereadores e da plateia foram contidos, não pelo presidente Dito, mas pelo alto e convulsivo choro da vereadora Maria Helena. Entre um soluço e outro, ela repetia insistentemente: “milagre na Câmara, milagre na Câmara...”.
Com uma bandeira vermelha do PT, o advogado Ernani Gragnanello ficou branco quando o vereador Waldemar Marcúrio, o Nei, fez esse pronunciamento:
– Já que hoje é dia de lavar a roupa suja, vou fazer meu desabafo. Eu me arrependi de ter deixado meu partido de lado e ter votado projetos esquisitos com o governo municipal. Estou voltando ao ninho do PT, pedindo desculpas aos companheiros e aos 444 mogimirianos que me honraram com seus votos. 
A sessão não tinha clima para votar os projetos do Prefeito, tamanha a euforia dos presentes à sessão histórica, seja no plenário ou na galeria: tinha que ser encerrada. Dito começou as primeiras palavras “Eu declaro a sessão...”, mas foi aparteado pela vereadora Dayane Amaro:
– Meus colegas: quero comunicá-los que assim que o partido da Marina, a Rede, for oficializado, eu me filiarei a ele e deixarei o PDT do prefeito. No ano passado, eu errei votando pela privatização do SAAE, mas me redimi neste ano. Quero também pedir desculpas aos senhores e aos meus 1.683 eleitores, pelo barraco que armei aqui, por causa do elevador ter quebrado. 
Aplausos intermináveis. Rosana Bronzatto, eficiente funcionária da Casa, ligou o som e colocou o Hino Nacional, em volume tão alto que se escutava por toda a cidade. Todos felizes, foram até o Bar do Tina para terminar a noite com pizzas, e tomar guaraná Antarctica a R$ 4,60 a latinha. 
O despertador interrompeu meu sonho. Atônito e cambaleante, caí da cama e quebrei a perna – desta vez a direita. Estou no Hospital 22 de Outubro, onde espero receber a visita conjunta dos 17 nobres edis de minha cidade.

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