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Meu Cantinho O IMPACTO – 24.03.2012
O “mala” perdeu minha mala em Tóquio
Mauro Adorno
Eu não poderia aceitar o convite para passar 11 dias em visita às termelétricas japonesas, em abril de 1993, pelo desgaste físico de uma viagem de 26 horas. Havia tido um acidente há três anos e me encontrava em fase de recuperação de movimentos, sem as mínimas condições de carregar malas, folhear documentos e até mesmo abotoar uma camisa rapidamente. Assim, o convite feito pela Companhia Energética de São Paulo, Cesp, para participar da comitiva, como jornalista, deveria ser descartado, sem que a decisão significasse, em função de minhas dificuldades, desinteresse em conhecer e posteriormente debater sobre essa iniciativa de se buscar uma nova fonte de energia elétrica, a partir do reaproveitamento de resíduos de petróleo da Refinaria de Paulínia. Mas, e como na vida sempre tem um mas...
A insistência do hoje prefeito de Mogi Mirim, Carlos Nelson Bueno, à época diretor da Cesp, e minha consciência da importância de conhecer o assunto e opinar aos leitores de O Impacto e da “Gazeta Guaçuana”, fez com que eu pedisse uma lista com os nomes dos integrantes do grupo. Engenheiros da Cesp, diretores do SOS Mata Atlântica, e vereadores mogimirianos e guaçuanos, uma vez que a projetada usina deveria ser instalada com a utilização da água do rio Mogi Guaçu. Dentre os convidados, o vereador Ademar de Barros, o Ademarzinho, pai do hoje prefeito de Mogi Guaçu, Paulo Eduardo de Barros, o dr. Paulinho, meu amigo de longa data, um dos mais experientes e inteligentes políticos de nossa região. Era a única pessoa que eu tinha a liberdade de pedir um favor de tamanha envergadura: suprir minhas necessidades físicas.
Liguei para o Ademarzinho e expliquei minhas limitações e o que eu precisava dele. Era para carregar malas e me auxiliar em situações de dificuldades. Obviamente que não era para ser meu tradutor, até porque ele entende tanto da língua japonesa como eu entendo de Física Quântica. Ele se comprometeu na hora e discutimos sobre o motivo da viagem e até acertamos que iríamos fazer um relatório em conjunto, fato que realmente ocorreu. Na viagem conheci um pouco mais esse amigo. Solícito, compreensivo e companheiro. Nos poucos momentos de folga não saía sem que eu estivesse em sua companhia.
Na saída, no dia 1º de abril – e não era dia da mentira – ele carregou minhas malas, cuidou do embarque e nos acomodamos em um avião da Varig, rumo inicialmente a São Francisco, EUA. Tinha tudo para fazer uma excelente viagem. Mas...
Na primeira etapa da viagem, um período cansativo de 12 horas, sentado a meu lado, Ademarzinho reclamava, dizendo que não conseguiria chegar ao destino. Tentava animá-lo, dizendo que minhas condições físicas eram piores que as dele, mas de nada adiantava. O whisky servido a bordo o ajudou a amenizar o cansaço e o medo de voar. Para acompanhá-lo, como “companheiro”, pedi cerveja japonesa para ir me acostumando com um novo sabor. Pés inchados, descemos na terra de Tio Sam, em escala de duas horas para a higienização da aeronave. Não houve jeito. Já meio alto, disse que não continuaria a viagem e retornaria ao Brasil. Minha argumentação foi simples: o tempo de voo era o mesmo: 12 horas até o Brasil e 12 horas até o Japão. Partimos. Mas...
No avião, após algumas reclamações, chamei uma aeromoça e expliquei a situação do Ademarzinho, e pedi que ela servisse whisky continuamente ao meu amigo. Depois de algumas horas, após o serviço de bordo, veio até nós uma aeromoça, dizendo que iriam descansar, mas que o bar ficaria aberto e poderíamos nos abastecer. O vereador mogimiriano dormia um pouco e logo depois acordava, pois eram intercalados o sol e a escuridão, em função da diferença de fusos horários. A viagem, doravante, seria tranquila. Mas...
Em solo japonês, Carlos Nelson fez a gentileza de retirar a minha mala da esteira. Ademarzinho com minha maleta de mão. Após a imigração – tive passagem preferencial – nós nos sentamos em um banco à espera dos companheiros. Ele, encarregado de minha maleta. Uma hora depois, no hotel, perguntei; cadê minha maleta? Ainda meio grogue pela bebida, meu companheiro de viagem simplesmente respondia “não sei”. Para apimentar, disse-lhe que além de roupas e objetos pessoais, na maleta havia US$ 20 mil, destinados à compra de computadores para meus jornais.
No dia seguinte pela manhã a maleta apareceu com tudo dentro. Ficara no saguão e foi achada ao lado do banco em que sentamos. Alívio do Ademar e chacotas da comitiva. Ademar foi grande companheiro. Mas... Que nesse episódio foi “mala”, isso ele foi.
Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.
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