Assunto: Rubem Alves
Gostaria de coração que vocês ganhassem 5 min de suas vidas lendo esse pequeno trecho de um livro do Rubem Alves.
Uma mensagem muito especial para esse começo de ano. Feliz 2013!
"Faz muitos anos, nos tempos em que eu ainda era professor da Unicamp, um aluno que eu não conhecia telefonou-me dizendo que precisava falar comigo. Marcamos um encontro na minha casa. Ele chegou, abriu um caderno e começou a fazer-me perguntas. A primeira pergunta - "Como é que o senhor planejou a sua vida para que chegasse onde chegou?" Percebi logo. Ele me admirava. Queria ser como eu. Queria que lhe contasse o segredo. Que lhe revelasse o caminho. Mas minha resposta pôs a perder as suas expectativas. Foi o que eu lhe disse: " Eu estou onde estou porque todos os meus planos deram errado." Isso é absolutamente verdadeiro. As pontes que construía para chegar aonde eu queria ruíam uma após outra. Eu era então obrigado a procurar caminhos não pensados. E aconteceu, por vezes, nem mesmo segui, por vontade própria, os caminhos alternativos a minha frente. Escorreguei. A vida me empurrou. Fui literalmente obrigado a fazer o que não queria. Por exemplo: meu pai, homem muito rico, foi à falência. Ficou pobre. Teve de mudar de cidade para começar vida nova. Se isso não tivesse acontecido, é provável que hoje eu seria um rico fazendeiro guiando uma F 1000 e contabilizando cabeças de gado. Quando me mudei para o Rio de Janeiro, aos 12 anos de idade, menino do interior de Minas com um sotaque caipira, fui objeto de zombarias e chacotas. Nunca me senti tão sozinho. Nunca fui convidado a ir a casa de um colega e nunca tive coragem para convidar um colega para ir a minha casa. Sofri a dor da solidão e da rejeição. Mas foi esse espaço de solidão na minha alma que me fez pensar coisas que de outra forma eu não teria pensado. Lutei muito para ser pianista. Trabalhei duro, horas e horas por dia. Se tivesse dado certo, eu seria hoje um pianista medíocre. Pianista bom não precisa de fazer força. É dom de Deus, como é o caso do Nélson Freire. A diferença entre nós é que, enquanto eu tentava colocar dentro de mim um piano que estava fora, o problema do Nelson era colocar para fora um piano que morava dentro dele desde o nascimento. Para mim, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para o Nélson, o piano é uma expansão do seu corpo. Foi preciso que eu fracassasse como pianista para que o escritor que morava dentro de mim aparecesse. Assim, comecei a fazer música com palavras, acho que com a mesma facilidade com que o Nélson tocava piano. Fui pastor protestante e é provável que, se tudo tivesse acontecido nos conformes, eu hoje fosse um clérigo velho. Mas na véspera do golpe militar, fui acusado de subversivo pelas zelosas e bondosas autoridades da Igreja...Tive de mudar para os Estados Unidos com minha família - o que foi ótimo para todos nós. Fiz meu doutoramento, fiz amigos novos, viajei, conheci lugares, acampei, tive tempo para ler e pensar. Cheguei onde estou por caminhos que não planejei. è um lugar feliz com o qual nunca sonhei. Nunca me passou pela ideia que seria um escritor. E, em especial, que escreveria estórias para crianças - e que as crianças amariam (e me amariam por causa delas...). Tanto assim que não me preparei para o ofício. Sou ruim em gramática, erro a acentuação. E há mesmo uma pessoa que se dedicava a escrever-me longas cartas para corrigir meu português. Parou de escrever. Acho que desistiu.
Como é bem sabido, eu, um mau aluno, especialmente quando o professor quer ensinar-me coisas que não quero aprender. Pena que o dito professor, voluntário, nunca tivesse feito comentário algum sobre o que eu escrevia. Concordo mesmo é com o Patativa do Assaré: "É melhor escrever errado a coisa certa do que escrever certo a coisa errada..." Plantei árvores, tive filhos, escrevi livros, tenho muitos amigos e, sobretudo, gosto de brincar. Que mais posso desejar? Se eu pudesse viver minha vida novamente, eu a viveria como a vivi porque estou feliz onde estou."
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