A memória traduzida em autêntica literatura


Por Gilberto Cruvinel
Do Estadão - 25/02/2012



Perfil. Médico, amigo de poetas, intelectuais e políticos, Nava estreou o relato de sua própria vida aclamado pela crítica, mas diante das reações negativas de seus familiares, entrou em forte depressão.

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - As memórias do escritor e médico reumatologista mineiro Pedro Nava (1903-1984), que começaram a ser escritas em 1968, quando o autor tinha 65 anos, serão relançadas em março pela editora Companhia das Letras - o primeiro e segundo volumes,Baú de Ossos e Balão Cativo, respectivamente, chegam às livrarias dia 2. NessasMemórias, que ocupam sete volumes, Nava revela: não foi só o Visconde de Barbacena (com Genealogia da Família Mineira) seu único modelo e inspiração, mas especialmente o escritor francês Marcel Proust (1871-1922).
O escritor e médico Pedro Nava - DivulgaçãoO escritor e médico Pedro Nava
Todo mundo tem sua madeleine, escreve Nava em Baú de Ossos. A sua, citada no volume seguinte, Balão Cativo, tinha uma casca ardida, vermelha, e uma polpa branca que resistia ao dente. O sabor cru, de terra, dos rabanetes da infância do mineiro, o perfume do sumo de laranja e o cheiro das moringas novas compõem o cenário proustiano de suas memórias frankensteinianas.
O professor e crítico Davi Arrigucci Jr., autor do posfácio da edição de Baú de Ossos, chama a atenção justamente para o caráter cubista, fragmentário, dessas memórias - até involuntárias - que ergueram um monumento literário no Brasil na linha da obra máxima de Proust, Em Busca do Tempo Perdido. Arrigucci, no entanto, prefere associá-lo a dois clássicos da literatura brasileira - Casa-Grande & Senzala e O Ateneu -, mostrando como essas Memórias iluminam o passado histórico brasileiro a partir de uma autobiografia que é, antes de tudo, uma “meditação sobre a morte” - tão forte quanto a lírica de Manuel Bandeira, segundo o crítico. “Cada um compõe o Frankenstein hereditário com pedaços dos seus mortos”, escreve Nava em Baú de Ossos, para em seguida assumir com o leitor o compromisso de “dizer a verdade, só a verdade e, se possível, toda a verdade”.
Pedro Nava com sua mãe. Juiz de Fora, 1903 
Biblioteca Seguindo a ordem original de publicação, os livros que compõe as Memórias de Pedro Navasão: Baú de Ossos (1972); Balão Cativo (1973); Chão de Ferro (1976); Beira-Mar (1978); Galo das Trevas (1981); O Círio Perfeito (1983); e Cera das Almas (póstumo, 1984). A Companhia das Letras prevê encerrar o relançamento do ciclo autobiográfico de Nava em abril de 2014.
Dr. José Pedro da Silva Nava e Diva Mariana Jaguaribe (pais de Pedro Nava).
Fotografia de casamento. Juiz de Fora, 14 de junho de 1902

Toda verdade não foi possível. O sétimo volume, Cera das Almas (póstumo e incompleto), estava a caminho quando Nava recebeu um telefonema, no dia 13 de maio de 1984. Saiu de casa e, por volta da meia-noite, seu corpo foi encontrado numa praça do bairro da Glória, no Rio, onde morou metade de sua vida. Aos 80 anos, com um tiro na cabeça, o escritor se matou. A tragédia é comentada no livro Minha História dos Outros, do jornalista Zuenir Ventura. Na época, chefe da sucursal carioca da revista IstoÉ, ele convocou dois repórteres para investigar o caso e localizar um garoto de programa que estaria por trás da ligação misteriosa.

Nava com a esposa Antonieta Penido, no escritório do apartamento do casal na Rua da Glória. Rio de Janeiro, 1980

A história foi abafada. O próprio Zuenir escolheu não publicar a versão do prostituto, que teria chantageado Nava. Se a ameaça de um linchamento moral por causa de um garoto de programa foi a causa do suicídio, é impossível saber. O fato é que, em suas memórias, não há lugar para uma discussão direta sobre o tema homossexualidade, embora cite escritores reconhecidamente homossexuais, como Cocteau, Gide, Radiguet e Proust. O escritor evoca o último na página 341 de Baú de Ossos para atestar que nossa memória não passa de um reflexo em que a ordem dos fragmentos aparece invertida. Inconsolável, ele recorda, em Balão Cativo, o amigo americano Moses Spector, que conheceu no Ginásio Anglo-Mineiro, em 1914, e nunca esqueceu. O garoto voltou para os EUA e, mesmo passados 53 anos, Nava ainda mantinha viva na memória a visão de seu “cabelo arrepiado”, das sardas, dos olhos e da “boca cheia de língua”, ao passar pela ponte de Brooklyn, em 1967, e lembrar-se até do endereço e número da casa do amigo.
Caricaturas de pessoas rememoradas em 'Balão Cativo'

As Memórias de Pedro Nava não contam, contudo, apenas a história da educação sentimental e moral do escritor. Arrigucci tem razão ao comparar sua obra ao clássicoCasa-Grande & Senzala, do pernambucano Gilberto Freyre, porque, ao falar da própria família, Nava traça um retrato implacável da burguesia brasileira dos séculos 19 e 20, escancarando os bastidores políticos da história do Brasil e dos costumes nas casas-grandes mineiras e nordestinas (um ramo da família é cearense). Impressiona a exposição do passado familiar por Nava, que traz à tona, entre outros personagens, um bandido traficante de escravos, violento, vulgar e blasfemo, cuja história, desvendada por um parente, humilhou a avó. Nava jura que não citou o “celerado” ancestral por cinismo, mas por acreditar que toda família tem uma ovelha negra como “elemento de estabilidade” do núcleo.

Pedro Nava e Antônio Callado - Reunião da Nova Fronteira,
em 7 de junho de 1983, por ocasião do lançamento da 6ª edição do Baú de Ossos

Certo é que o escritor acreditava em valores transmitidos pelo DNA. “Ninguém pode compreender nada da história social e política de Minas se não entender um pouco de genealogia”, escreve em Baú de Ossos. Na página 211 do livro, ele resume essa crença numa frase: “Bon sang ne peut mentir” (Sangue bom não mente). E Nava descendia do bandeirante Fernão Dias Paes, que mandou enforcar o próprio filho. “Bandoleiros para os outros, heróis para a família”, justifica o escritor, pedindo aos primos que não se zanguem com a revelação. De Portugal, conclui ele, duas páginas depois, “nos ficou o preconceito contra tudo o que cheira a mouro”. A avó de Nava, Inhá Luísa, que tinha “uma autoridade imanente”, só faz confirmar o neto, por quem nutria o mais absoluto desprezo. Ela não gostava de negros e virou a mão na boca da empregada Justina por deixar entrar em sua casa a mucama da vizinha, dona Maricota Ferreira e Costa. Com a boca sangrando, Justina, para espanto de Nava, cantou. E nunca mais foi vista. O episódio é contado emBalão Cativo.

Colagens. Pedro Nava aqui exercitava o seu lado crítico

A honestidade de Nava é inquestionável, mas não se trata apenas de memorialismo. Os mais fascinantes memorialistas, escreveu Paulo Mendes Campos em 1981 (texto reproduzido em Balão Cativo), são pessoas “que não têm muita coisa para contar”. O que teria um menino de Minas “de sala de visita e quintal, inundado de saias familiares e óculos de adultos engonçados, um estudante irrequieto, médico aplicado e poeta bissexto a contar?”, pergunta o jornalista mineiro, para responder ele próprio que foi exatamente nesse material biográfico “ressequido e sem graça” que Nava encontrou “o seu além da toca do coelho”. Como Alice.
Colagens. Pedro Nava aqui exercitava o seu lado crítico

O professor de Literatura Massaud Moisés compara o novo capítulo que Nava escreveu na história do memorialismo brasileiro a uma “revolução copérnica, equivalente à que Guimarães Rosa empreendeu no terreno da ficção”. Essa revolução, segundo o professor de Literatura da Unicamp, Antonio Arnoni Prado, diz respeito não só à técnica do autor - “que converte o passado numa espécie de metáfora inacabada das sensações que refundam a experiência do sujeito-que-recorda, como se recriasse o mundo à maneira do grande romance do século 19”. Arnoni Prado destaca ainda a “voracidade heurística” do narrador criado por Nava, “que rearticula a dicção harpejada das vozes que se colam ao estilo livre das citações, das transcrições, da reduplicação documental, dos testemunhos da história e da imaginação”.
Talvez seja conveniente lembrar que o primeiro volume das Memórias de Nava saiu no período mais conturbado da ditadura militar (1972). É mesmo um documento e tanto - não exatamente sobre o regime, mas sobre a herança de um país suscetível a golpes de gente autoritária. “Também tivemos a nossa belle époque, por sinal que feia como sete dias de chuva”, escreve em Baú de Ossos. Com a República começou, segundo ele, a decadência política e estética. Trocaram-se as gravuras imperiais de Debret e Rugendas pelas pinturas “sebentas” de Giuseppe Boscagli - “representando marechais anacrônicos em fardas do tempo da Guerra da Crimeia”. E Nava segue adiante, espinafrando o despudor do marechal Floriano, dos caciques, dos coronelões, da tradicional família mineira, dos parentes e dos contraparentes. Mesmo ele não escapava dessa decadência - Nava começa o livro parafraseando Eça de Queirós, ao dizer que é um “pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais”. Ao longo dos sete livros sua figura vai se apagando como uma vela de defunto, preparando-se para entrar na eternidade nas 36 páginas do inacabado Cera das Almas, sétimo e último volume de suas Memórias.
Ele pensara em suicídio anos antes. Numa carta dirigida ao amigo Carlos Drummond de Andrade, em 1975, nove antes de morrer, Nava recomendou que seu cadáver fosse embalsamado com dois litros de formol. Essa fixação em morte e suicídio fica mais clara em O Círio Perfeito: nele, Nava derrama quatro gotas de sangue (na página 280 do texto original) e parece à beira de uma revelação que, afinal, resolve não oferecer ao leitor. Já então deprimido pelas reações negativas de seus familiares aos fatos descritos em suas Memórias, usa o último recurso de criar um alter ego para a revelação derradeira, que viria em Cera das Almas, segundo a biógrafa do autor, Monique Le Moing. Em A Solidão Povoada (Editora Nova Fronteira, 1996), ela fala dos sinais evidentes de sua tragédia anunciada ao se referir ao personagem do Comendador que, prestes a anunciar uma notícia bombástica, interrompe sua fala e não revela o desfecho - que ficaria para o último volume. Sua ligação extemporânea com o decadentismo, segundo o professor Arnoni Prado, poderia eventualmente explicar muito desse mistério. Ver amigos mortos sentados à mesa ou a própria morte penetrando seu corpo, sugere o professor, deixaria Nava muito à vontade na tradição do dark Gastão Cruls, amigo de sua prima Rachel de Queiroz. Também um médico e bom escritor, nunca é demais lembrar.
TRECHO - Baú de Ossos
 "Minha prima Rachel de Queiroz, por exemplo, que é três vezes Alencar, pode se dizer Leonel por sua tataravó Florinda, Franquilina por seu bisavô Cícero e Tristão por sua outra tataravó, Maria Dorgival. Gênio forte, isso havia dos dois lados. Talvez cólera fria, cólera de gente crua entre os Horta e os Pinto Coelho. Não se zanguem, meus primos!... "

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Uma das obsessões da obra é lembrar que ao prazer de existir se une o olhar do fim
Pedro Nava entre Carlos Drummond de Andrade e pessoa não identificada -
almoço de 80º aniversário de Nava. Rio de Janeiro, Churrascaria Porcão, 4 de junho de 1983
Drummond: "Vai, Pedro, toma tua carga nas costas e segue."

Alcides Villaça - O Estado de S.Paulo
Imenso vitral, foi a expressão de um surpreso Drummond, diante da aparição (o termo é esse) das memórias que o velho amigo mineiro Pedro Nava, quase septuagenário, começava a publicar em 1972. Estreando no gênero com Baú de Ossos, Nava revelava, com fôlego surpreendente e arrebatador, a arte de quem cultivara por muito tempo e muito fundo uma germinativa matéria de memória, para enfim convertê-la em grande literatura. Fortalecemos, na leitura, a convicção de que não existe memória estritamente individual: toda lembrança inclui uma perspectiva de valores socialmente compartilhados, toda singularidade pessoal se define em face de singularidades outras.
 No final da década de 70 passei a ler o memorialista, naquela altura já aclamado pelos primeiros quatro volumes da série (de longe, os melhores). Logo me vi rabiscando à margem, para marcar a força especial de trunfos narrativos, de descrições vibrantes, de súmulas reflexivas - ou mesmo de chistes impagáveis, acionados por um mestre do humor. Essa multiplicidade de interesses e pontos de sedução (articulados como "móbiles da memória" como propõe Davi Arrigucci no posfácio) faz das páginas de Nava uma das mais prazerosas experiências de leitura em língua portuguesa. A ambição é tão grande e a matéria é tão extensa que nem sempre tudo se alcança: confessa-o o próprio autor, quando admite que sua obra é o "puzzle de uma paisagem que é impossível completar". Nota-se mesmo, com alguma frequência, a busca indiscreta de efeitos literários, ao lado do brilho verdadeiro de tantas invenções e epifanias.
Em Baú de Ossos afina-se já a base tonal que marcará o conjunto da obra, e que outra vez Drummond reconheceu tão bem: uma dolorida, desenganada mas ainda assim generosa experiência do humano. O interesse meticuloso do memorialista na recuperação e composição de tantos detalhes, pessoas e episódios traduz-se como um culto que é também ressentimento do passado. A presença fantasmagórica da Morte, as perdas dolorosas (a do pai, sobre todas), o convívio com a crueldade e a injustiça, os estigmas creditados à genealogia, a solidão irremissível fazem o fundo negativo da formação do menino e do adolescente, nas dobras severas de Minas (Juiz de Fora e Belo Horizonte) e depois no internato Pedro II, no Rio. Mas junto com isso há a enorme sensualidade do corpo e do espírito do autor/narrador, uma inclinação para apetites que vão da leitura dos clássicos aos engenhos da gastronomia (com direito, por exemplo, a uma inestimável receita de feijoada, tratada como peça sinfônica). Uma das obsessões dessas memórias está em lembrar que o prazer da vida não é alheio à libido da morte, junção freudiana nada estranha para o médico e para o memorialista, fascinado e atemorizado pelo sentimento do tempo que "tá passando... tá passando..." - como no refrão com que a mulata Rosa ia intrigando as histórias que contava às crianças.
O narrador reitera ainda, aqui e ali, sua consciência dos processos convocados pela memória: retomar, cortar, esquecer, costurar... Sabe que há nas lembranças raízes subterrâneas que tecem sua própria lógica no subconsciente, cabendo a quem as revolva explorar os nexos e as analogias. Por isso, se há uma linearidade básica nas Memórias, há também excursos, avanços e recuos no tempo, que suspendem aqui e ali a linha reta para não comprometer a viva espiral ou as ramificações da matéria lembrada.
No ano de 1973 surge Balão Cativo, no qual imperarão as primeiras lembranças do menino Nava, a partir da experiência fundamental da perda do pai, narrada na passagem magistral que fechara Baú de Ossos. Sendo agora o narrador também protagonista, o universo das pessoas concebidas como personagens move-se à sua volta: "O menino que ainda não sai de casa tem a impressão de que está no centro do mundo e que os outros vivem, como planetas, em torno de sua personalidade solar. Depois é que vê seu nada quando se compara às galáxias que vislumbra". Neste fragmento está o passo essencial das memórias desse período: o menino vive seus últimos dias de infância e dá adeus a ela no episódio em que acena para mãe, da janela do trem que o levará ao Rio, à casa do tio e intelectual Antonio Salles (com sua extraordinária biblioteca e as conversas em passeio por ruas e livrarias) e, sobretudo, à vida de rapazinho interno no histórico Colégio Pedro II (de que tratará magistralmente o volume seguinte, Chão de Ferro).
Em Balão Cativo definem-se de vez linhas de força das Memórias, entre as quais destaco: o sentimento de predestinação sombria ("Vai, Pedro, toma tua carga nas costas e segue"); os estigmas da genealogia ("Não morri jamais de amor por minha avó. Mas sei quando ela coça dentro do meu corpo e quando nele pesa"); a reverência à sedução e aos rigores da cultura letrada; o embate entre a disciplina da vida escolar e a vocação anárquica do adolescente; e, no comando de tudo, o desafio de traduzir memória em literatura: "Só há dignidade na recriação. O resto é relatório". Colecionador obsessivo de "relatórios" (arquivos, cartas, documentos, anotações, testemunhos, conversas, impressões vivas, etc.), coube a Nava habilitar para o interesse coletivo toda a matéria que recolheu como forte impressão pessoal. Mas não é essa, em suma, a habilitação intentada por toda representação artística?
Escritor exuberante, plurilíngue, senhor de um léxico portentoso, ágil narrador, meticuloso pintor de espaços e figuras, pensador que bebeu em múltiplas fontes, amigo tributário dos modernistas, médico realizado e implacável juiz de caracteres, Nava é autor e produto das memórias que escreveu: projetou-se e converteu-se em tudo o que recordou. Produziu também a própria morte, antecipando-se à personagem de seus pesadelos e datando com decisão o epílogo da trajetória. Que todo leitor, aliás, pode reiniciar, partindo da frase que abre as Memórias: "Eu sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais".
 ALCIDES VILLAÇA É PROFESSOR DE LITERATURA BRASILEIRA DA USP

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BAÚ DE OSSOS
Autor: Pedro Nava
Editora: Companhia das Letras
(488 págs., R$ 54,50 na versão impressa e R$ 38 em ebook)

  Pletórico e envolvente na melhor tradição dos grandes ciclos romanescos, Baú de ossos reconstitui a genealogia dos antepassados e os primeiros anos da infância do autor. Amigo de escritores, políticos e intelectuais eminentes como Carlos Drummond de Andrade, Juscelino Kubitschek e Afonso Arinos de Melo Franco, descendente de famílias ilustres de Minas Gerais e do Ceará, testemunha privilegiada da história do Brasil no século XX, médico respeitado no país e no exterior, o juiz-forano Pedro Nava deu início à redação de suas memórias em 1968, aos 65 anos. Até então um “poeta bissexto” - na célebre designação de Manuel Bandeira -, quase desconhecido fora dos restritos círculos modernistas, Nava assombrou o país em 1972 com a publicação da primeira parte da saga, Baú de ossos. O livro, ao qual se seguiriam outros cinco extensos títulos e um volume póstumo, impressionou público e crítica pela maestria de sua escrita, que em muitos momentos se aproxima da melhor ficção, e pela precisão da reconstituição dos detalhes do passado mais remoto.
Muito além de uma mera crônica autobiográfica, Nava realiza um vasto panorama da sociedade e da cultura brasileiras no século XIX e no início do século XX. Baú de ossos se inicia com a descrição dos antecedentes genealógicos da família do autor, divididos entre Minas, o Nordeste e os burgos e castelos europeus onde viveram seus antepassados aristocráticos. Em seguida, sempre entremeando fatos históricos, observações pitorescas e anedotas familiares com suas primeiras lembranças, o autor narra acontecimentos vividos até seus oito anos de idade, marcados pela traumática morte de seu pai., 

Balão cativo 
Autor: Pedro Nava
Editora: Companhia das Letras
(416 págs., R$ 52 na versão impressa e R$ 38 em ebook)

 Segundo volume das memórias de Pedro Nava, Balão cativo compreende o período entre o retorno para Minas Gerais após a morte do pai e o internato no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.
Após o verdadeiro tour de force histórico e genealógico de Baú de ossos, Pedro Nava aborda em Balão cativo os anos decisivos do final da infância e a adolescência, divididos entre Juiz de Fora, Belo Horizonte e o Rio de Janeiro.
Ocorrida quando o autor tinha oito anos de idade, a morte do pai é o marco inicial das lembranças de Nava sobre aquele período. Até então residente no Rio, para onde se mudara em busca das benesses da prosperidade e da civilização, a família - agora reduzida à mãe, Diva Jaguaribe Nava, e seus cinco filhos pequenos - viu-se obrigada a retornar para Minas, onde as paredes, janelas e árvores da casa de Inhá Luísa, a implacável avó materna, testemunharam os últimos anos da infância do autor. Aos 11 anos, Nava abandona a educação mais ou menos informal que até então vinha recebendo para matricular-se no recém-inaugurado internato do Ginásio Anglo-Brasileiro, em Belo Horizonte. O autor havia se transferido para a capital mineira em 1913, novamente na companhia da mãe e dos irmãos. Em 1916, já adolescente, retorna ao Rio de Janeiro, onde inicialmente se hospeda na casa de parentes antes de ser admitido no internato do Colégio Pedro II, um dos colégios mais tradicionais do país.
A descoberta do sexo e da literatura, a amizade marcante dos novos colegas e o dia a dia vibrante do Rio antigo são os motivos condutores desta narrativa autobiográfica baseada, como a obra monumental de Marcel Proust, nas múltiplas metamorfoses da memória.