terça-feira, 19 de janeiro de 2010

AOS AMIGOS E DISCÍPULOS DA ARTE DE PENSAR: VEJAM, ATRAVÉS DE BELO TEXTO, COMO É NECESSÁRIO RACIOCINAR...

É SEMPRE A MESMA COISA... (captado pela minha grande incentivadora Joara Letícia Bueno - bacharel em direito e psicóloga)

Pasquale Cipro Neto

Não revelarei nenhuma novidade se afirmar que nossa competência de leitura apresenta níveis indigentes. Somos lanterninhas do Pisa (programa internacional de avaliação comparada). Outro lado trágico: apenas 24% dos brasileiros letrados conseguem entender uma mensagem escrita que tenha alguma complexidade. Se a complexidade for média ou alta...

O resultado disso é sentido na carne, no dia a dia, no desempenho de alunos etc. Lemos mal, muito mal. E pensamos pior, muito pior. Quem pensa mal lê e não entende, ou – pior- vê no texto algo totalmente diferente do que nele se afirma.

Uma vez, escrevi sobre o mau emprego de termos técnicos na imprensa. Parti do desabamento de partes das arquibancadas da Fonte Nova, de que resultou a morte de sete pessoas. Jornais e emissoras de rádio e TV disseram que Fulano poderia ser indiciado por crime doloso, “aquele em que há intenção de matar”. Afirmei que o dolo se caracteriza não só pela intenção, mas tbém pela assunção do risco. E era esse caso de Fulano. Não se pode imaginar, por exemplo, que o administrador do estádio soubesse que veriam o jogo sete de seus inimigos mortais e que, por isso, liberou o estádio justamente para aquelas sete pessoas morressem. Que tiro certo!

Pois não é que recebi muitas mensagens de “advogados”: “ O senhor errou ao afirmar que não pode haver indiciamento por dolo nesse caso, pois o dolo pode ser eventual, quando o agente assume o risco de produzir o resultado”. Santo Deus! E quem foi que disse que eu disse que não pode haver indiciamento por dolo nesse caso? Eu disse que é errado limitar a definição de dolo à intenção.

Do direito para a imprensa esportiva. Na semana passada, depois que o Brasil derrotou os Estados Unidos, alguns jornalistas decretaram a sumária eliminação da equipe estadunidense da Copa das Confederações.

É sempre a mesma coisa. Toda vez que se disputa torneio pelo sistema de grupos, com quatro participantes em cada grupo, enfrentando-se em turno único, basta que um time termine a segunda rodada com duas derrotas para que alguns jornalistas decretem a eliminação desse time.

Aí eu torço para que esse time se classifique, o que é perfeitamente possível quando uma das equipes do grupo vence seus três jogos, e cada uma das outras três obtém uma vitória. Nesse caso, a solução se dá por saldo de gols, gols marcados etc.

É só saber pensar, o que significa saber ler o regulamento. Mas pensar dói. Bastava pensar que seria perfeitamente possível a equipe americana vencer o Egito, e o Brasil derrotar a Itália, o que acabou acontecendo. Mas a tentação de dizer que um time que acabou a segunda rodada com zero ponto está eliminado é tal que...

Isso me lembra uma questão do Enem, em que se pedia o seguinte: três pessoas querem chegar à outra margem do rio e tem à disposição um barco, que suporta até 150 kg. Os pesos dos três viajantes são estes: 50 kg, 70 kg e 120 kg. Pedia-se o número mínimo de viagens necessárias para que os três atravessassem o rio.

A resposta é o de menos; o que efetivamente importa é como chegar a ela. Curto e grosso: na primeira viagem, o gordinho fica, do contrário, qualquer que seja seu acompanhante, o barco afunda; na segunda viagem, um dos mais leves fica e outro leva o barco para o chumbinho; nas terceira, o gordinho vai sozinho; na quarta, o mais leve que tinha ficado volta; na quinta, os dois mais leves finalmente atravessam de vez o rio. Difícil? Basta pensar. É isso.

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