sábado, 8 de junho de 2013

MAIS UMA DO MAURINHO, BOM ADORNO, SEMPRE ÚTIL; EM NOSSO CANTINHO: TENÓRIO, SOFRIMENTOS, SONHOS E A BOLSA FAMÍLIA...




Nosso Cantinho O IMPACTO 08.06.2013
Tenório, sofrimentos,
sonhos e a Bolsa Família
Maurinho Adorno
A vida de Tenório Cavalcante não era nada confortável. Além de sua esposa Quitéria, ainda tinha seus seis filhos para sustentar com os míseros recursos provenientes de sua lavoura de milho, em um sítio herdado de seu pai, em São José da Tapera, município de Alagoas, pertencente ao “Polígono da Seca”. Rosto castigado pelo sol escaldante, Tenório via a seca tomar conta de suas plantações, de tal forma que a colheita era praticamente insuficiente para a alimentação de sua família. As duas vacas leiteiras, com seus ossos aparentes, mal serviam o leite às suas crianças. Ele vivia, quase sempre, de doações de vizinhos. Às vezes amaldiçoava a todos e até chegou a pensar em suicídio em algumas ocasiões. Mas, era dissuadido por amigos, com a argumentação óbvia de que iria, com tal ato, criar mais problemas à sua esposa e filhos. Um dia pensou em se mudar para a cidade, mas chegou à conclusão de que não iria encontrar trabalho. Não tinha qualificação.
Tenório aprendeu a ler ainda criança com um “coronel”, antigo morador da região e proprietário de uma fazenda, onde trabalhava como agricultor e criador de cabras e bodes. Quando deixou o trabalho na fazenda do “coronel” Anastácio, o patrão o presenteou com “Angústia” e “Vidas Secas”, obras do escritor alagoano Graciliano Ramos. Tenório os leu e os releu por diversas vezes, e em voz alta para os filhos. Ganhou ainda do ex-patrão, um dicionário “Aurélio”, do também alagoano Aurélio Buarque de Holanda, volume um pouco puído pelo manuseio da leitura de horas diárias. Ele era tido como homem culto pelos vizinhos. Seus filhos não tiveram a oportunidade de frequentar os bancos escolares pela distância do sítio até a cidade, e pela necessidade do trabalho ingrato de plantar e ver as espigas de milho secarem pela falta de chuva. Orações diárias não resolviam o problema da estiagem.
Dentro de sua simplicidade, Tenório sonhava. Jamais deixou de sonhar por dias melhores. Sonhava com a chuva caindo em seu teto de sapé. E rezava muito. Todo ano, no dia 19 de março, orava e acendia velas para São José, padroeiro dos agricultores, pois como diz a cultura nordestina, se chover nesse dia é garantia de boa lavoura. Mas, era raro São Pedro colaborar. E, foi justamente no aniversário do pai de Jesus Cristo que estacionou, à porta de sua casa de taipa, um carro preto novinho, mas empoeirado, com placas da Assembleia Legislativa. Era Gilberto Mendes, assessor do deputado Renan Calheiros, para fazer sua inscrição em um projeto de cisternas. Mendes, evidentemente, conferiu os títulos eleitorais dos membros da família. Com lágrimas nos olhos, Tenório brindou com goles de cachaça e falou: 
– São José atendeu às minhas preces. 
Dois anos após, o governo estadual mandou construir em sua propriedade uma cisterna de 5.000 litros, armazenagem de água insuficiente, num prazo de dois meses, para a higiene pessoal e para cozinhar os alimentos.
Tenório olhava para seus filhos e pensava consigo mesmo: Severino, o mais velho – jogava bola no quintal e tinha o domínio da redonda – bem que poderia ir morar no Rio de Janeiro, conversar com o alagoano Mário Jorge Lobo Zagalo e jogar no Flamengo, quiçá na seleção brasileira; Cícero, nome dado em homenagem ao santo milagreiro, gostava de música e poderia aprender a tocar sanfona com o também conterrâneo Hermeto Paschoal. E a Cecília, morena bonita, de corpo sensual, torneado e bronzeado pelo sol, com certeza conseguiria trabalhar como atriz com o cineasta Cacá Diegues, mesmo que em filme de sacanagem. O alagoano não se negaria em projetar sua filha nas telas do mundo. Momentos após, caía na real, e ele voltava, enxada no ombro, para seu roçado.
Tenório pensou em pedir ajuda a Renan Calheiros, Geraldo Bulhões, Fernando Collor de Melo ou ao seu serviçal, Paulo Cesar Farias. Mas, soube que eles só prometiam e não cumpriam. Eles eram como o candidato a prefeito, o Ernesto Calmon que, na campanha para prefeito de São José da Tapera, prometeu cestas básicas mensais, em troca dos votos de sua família. Prometeu e sumiu. Um dia o nordestino, picava fumo para um cigarrinho, com palha de milho cortada às mãos, quando ouviu no rádio de pilha que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava dando o “Bolsa Família” e outras mais. Na manhã seguinte foi à cidade, e fez a inscrição de todos. Trinta dias após, R$ 1.328,00 estavam creditados em sua conta. Tenório parou de plantar, vendeu o sítio, mudou-se para a cidade e, em nossos dias comenta com seus novos amigos:
– Esse Lula é mais santo que o padim padre Ciço.

Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
ex-diretor dos jornais “O Impacto” e “Gazeta Guaçuana”.

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