sábado, 21 de abril de 2012

MAURINHO ADORNO E SUA CRÔNICA: A VIDA E LIBERDADE DA CADELA MONA LISA...


Meu Cantinho O IMPACTO – 21.04.2012
A vida e a liberdade da cadela Mona Lisa
Maurinho Adorno
Ninguém sabe como aquela cadela surgiu perambulando pela rua, com seu porte altivo, balançando o rabo, indicando que vivia feliz. Ela não demonstrava estar perdida. Aparentava saber o que queria de sua vida. Era uma pastora alemã, capa preta, de pelagem reluzente, orelhas em pé, aparentando ser jovem, muito bem cuidada, como se houvesse saído de um Pet Shop. Não havia dúvida de que tinha deixado uma residência de bom poder aquisitivo, constatação evidenciada pelo fato de seu corpo ter ótima aparência, com peso compatível com sua idade presumível. Subiu por uns 200 metros a Rua Ministro Cunha Canto, pela calçada à direita, como a se proteger do sol causticante, e foi brincando com os moradores, especialmente com as crianças. Ao entardecer, fez o mesmo trajeto no lado oposto da rua e foi se instalar em uma lenhadora do Antonio Jorge Pereira.
No início daquela primeira noite, como era costume na época, os casais instalaram suas cadeiras nas calçadas para a conversa do dia. E, para a surpresa geral, a cadela saiu de sua toca em meio às pilhas de lenha, e a cada 30 minutos sentava perto de um grupinho de pessoas, como se estivesse fazendo uma visita social a cada um deles. E brincava com as crianças. A curiosidade era grande: de onde surgira o animal? Antonio Sberghen, o único proprietário de um telefone de manivelas nas redondezas, resolveu tentar desvendar o mistério: ligou para a Rádio Cultura, mas ficou frustrado. Nem o Orlando Bronzatto, o Pintaca, e nem o Benedito Rocha, o Dito Rocha, haviam anunciado em seus programas o sumiço daquela bela cachorra. Ela foi se deitar perto das 21 horas e eles resolveram aguardar os acontecimentos. Seu proprietário deveria aparecer.
No dia seguinte, a mesma cena: a cadela subindo e descendo a rua, aparentemente cumprimentando as famílias e fazendo estripulias com as crianças. Ao anoitecer, como se estivessem em uma assembleia, os moradores resolveram que deveriam disciplinar a alimentação da cadela, cabendo a tarefa a uma família por dia, para evitar excesso de comida. Como ninguém soubesse como chamar a nova moradora da rua, José Pereira, o Zé Creca, sugeriu dar o nome à vizinha e a batizou de Mona Lisa, a maior expressão da sensibilidade do pintor Leonardo Davinci. Nome aprovado por unanimidade, muito embora a maioria não tivesse conhecimento da obra prima do pintor italiano. Mona Lisa, realmente, era sedutora. Fazia jus ao seu novo nome. E assim foi vivendo, dividindo sua vida entre as noites de sua casinha na lenhadora e convívio com os moradores da rua.
Em determinado dia, Mona Lisa apareceu grávida – ou prenhe, como é o termo dado aos animais – e os cuidados foram redobrados. Os vizinhos contrataram a compra diária de dois litros de leite puro da fazenda do José Ortiz, pai do delegado de polícia Benedito Santana Franco Ortiz, o Santana. E, muitos paparicos. Meses após ela saiu de sua toca, seguida por cinco crias – três machos e duas fêmeas. Na reunião da tarde, chegaram à conclusão de que ela havia feito sexo com o buldogue de Dona Eugênia Pissinatti, pois os filhotes tinham a cara do cão Tarzã, um belo animal, esguio, de grande porte. A rotina não mudou: ela ia agora às suas visitas diárias em comboio com seus filhos, alegrando ainda mais a criançada. Após o desmame, no início de uma noite, os filhotes foram distribuídos aos moradores. Com os olhos marejados, Mona Lisa foi passar a última noite de sua vida na lenhadora. No dia seguinte havia desparecido.
No período da manhã muitas pessoas não foram ao trabalho. Era necessário achar Mona Lisa. Bicicletas, charretes e até um cavalo tordilho foram usados na busca pela cidade. Nada. As crianças e alguns adultos choravam pela perda. A Rádio Cultura anunciou o sumiço, mas não houve retorno. Essa busca incessante durou uns 15 dias. Aventaram até a possibilidade dela ter sido sequestrada pelo ator Carlos Miranda, o célebre Inspetor Carlos, para fazer par com seu cão Rex, no programa “Vigilante Rodoviário”. Mona Lisa deve ter ficado triste e magoada por terem tirado seus filhos de seu convívio. Ou tenha voltado ao seu antigo lar. Acredito também que ela possa ter se mudado para uma rua equidistante para alegrar seus moradores. A verdade é que Mona Lisa sumiu. Sumiu fisicamente, mas permanece presente no pensamento daqueles que conviveram com ela naquela extensão de 200 metros da Rua Ministro Cunha Canto.

Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.

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