Desajeitado, o magistrado Dr. Juílson tentava equilibrar em suas mãos,

a cuia, a garrafa térmica, um pacotinho de biscoitos e a pasta de
documentos.
Estava se dirigindo para o seu gabinete, quando deparou-se com sua
esposa, a advogada Dra. Themis, que já o observava há minutos. O susto
foi tal que cuia, erva e documentos foram ao chão. O juiz franziu o
cenho, pronto para praguejar, quando viu que a testa da mulher era
ainda mais franzida que a sua.
Por se tratarem de juristas experientes, o diálogo litigioso que se
seguiu obedeceu aos mais altos padrões de erudição processual.
– Juílson! Eu não agüento mais essa sua inércia. Eu estou carente,
carente de ação, entende?
– Carente de ação? Ora, você sabe muito bem que, para sair da inércia,
o Juízo precisa ser provocado e você não me provoca, há anos. Já eu
dificilmente inicio um processo sem que haja contestação.
– Claro, você preferia que o processo corresse à revelia. Mas não
adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no
mérito. E mais, com você o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a
lide não fica pendente... Daí é que a execução fica frustrada.
– Calma aí, agora você está apelando. Eu já disse que não quero
acordar o apenso, no quarto ao lado. Já é muito difícil colocá-lo para
dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia
processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma
cautelar pode ser satisfativa.
– Sim, mas pra isso é preciso que se usem alguns recursos especiais.
Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo.
– Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário você sempre
nega seguimento. Fala dos meus recursos, mas impugna todas as minhas
tentativas de inovação processual. Isso quando não embarga a execução.
Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Themis. E o Dr.
Juílson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do
relacionamento. Por isso, complementou:
– Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem
culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos dar por
reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.
– Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a
preclusão consumativa.
– Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!
– Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa
relação está extinta. Só vim pegar o apenso em carga e fazer remessa
para a casa da minha mãe.
E ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Juílson fica tentando
compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por alguns
minutos, chegou a uma triste conclusão:
– E eu é que vou ter que pagar as custas...