Nosso Cantinho O IMPACTO – 23.06.2012
Uma história contada pela vida
Maurinho Adorno
"Vou retornar" e "estou livrando a escola", foram as últimas frases proferidas por um dos bons amigos que conquistei na vida, o piloto José Antonio Moreno, comandante do avião Fokker-100, da TAM, que caiu na capital, logo após a decolagem e vitimou 102 pessoas naquela manhã fatídica de 31 de outubro de 1996. Gente simples, mas de caráter. Era neto do fazendeiro Pedro Antonio Moreno, um homem que vivia para sua família, agasalhando a todos sob suas asas amorosas. Pedro era casado com uma grande mulher, Angelina Bernardi, sua companheira e conselheira. Morava na fazenda “Paiol de Telhas”, onde criou os filhos e acompanhou ativamente a vida de seus netos. Sempre que uma aeronave cruzava os céus da fazenda José Antonio dizia: “vovô, eu quero ser piloto” e ele, Pedro, ficava orgulhoso. Anos após, viu seu neto tirar o brevê, passar por pequenas companhias aéreas até chegar à TAM.
Pedro Moreno era simples e só teve oportunidade de estudar os 4 anos de curso primário. Continuar os estudos era só na cidade e ele tinha sua roça para cuidar, pois era dela que tirava o sustento. Mas, para suprir sua carência escolar, ele era assíduo ouvinte dos programas de rádio e na década de 60 também de televisão. Discutia nas rodinhas qualquer assunto. Líder no meio rural teve participação, por décadas, nas diretorias da extinta Cooperativa de Eletrificação Rural e do Sindicato Rural. Era assíduo às reuniões. Esse homem que fazia amigos com facilidade, por insistência desses amigos ruralistas, candidatou-se e conquistou uma das cadeiras do legislativo mogimiriano, desempenhando papel importante para os rurícolas. Mais tarde, seria candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo também vereador Antonio Carlos Guarnieri, o Toca.
Pedro Moreno tinha preocupação com as futuras gerações, tanto é que construiu uma escolinha na propriedade, abrindo a porta para as crianças de sítios e fazendas vizinhos. Muitas professoras se alimentavam em sua casa, um local aberto aos amigos a qualquer hora. Tonico e Tinoco constantemente pernoitavam na fazenda “Paiol de Telhas”. Eram amigos de Pedro e de seus filhos José e João, os componentes da dupla “Mogiano e Mogianinho”. Sempre presentes também Milionário e Zé Rico. Eu era frequentador assíduo. Há 32 anos, sem dinheiro para viajar em período de férias, passei 20 dias no convívio dessa marcante família mogimiriana. Durante o dia, pescaria pelos córregos e tanques da região. Em uma delas, o alvo eram as traíras. Seu Pedro fazia barulho na água e eu, marinheiro de primeira viagem, chamei-lhe a atenção. Ele gargalhou ao perceber minha ignorância. Traíra gosta de barulho.
Pedro Moreno não poderia viver para presenciar os golpes que a vida deu em sua família, especialmente em seu filho mais velho, o Mogiano. Pedro morreu em 94, mas deixou sua esposa Angelina encarregada de suportar o pesado fardo de perder familiares. Em 1996, em menos de dois meses morreram o João Luiz e o José Antonio, este o comandante do Fokker-100 da TAM, ambos filhos de Mogiano. Três anos após, com a família estabilizada, a matriarca da família, Angelina, despediu-se de seus familiares e amigos, e foi morar com seus entes queridos no chamado Reino de Deus.
Em um dia de minhas férias, José Antonio chegou de São Paulo para passar o final de semana com os familiares. Teve uma folga prolongada pelos bons serviços que prestava à empresa de seu amigo, o comandante Rolim Amaro, da TAM. Não o poupei, conversamos algumas horas sobre a segurança de uma aeronave e ele pacientemente me explicava, defendendo que o avião era o meio de transporte de menor risco de acidentes. Pedro Moreno ao lado, olhos arregalados, admirando “a aula” que seu neto me proporcionava. O destino quis que uma peça chamada “reverso” deixasse de funcionar e a aeronave de José Antonio fosse ao solo. Bem que Pedro Moreno não estava vivo, pois com certeza morreria nesse dia. Mas, antes exultaria com orgulho seu neto que, vendo a morte à sua frente, com frieza desviou o avião de um prédio seu conhecido; antes, ligou para a torre de comando e disse sua última frase: "estou livrando a escola".
Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.
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