Nosso Cantinho O IMPACTO – 16.06.2012
A merenda e as dúvidas do Joãozinho
Maurinho Adorno
Hoje vou contar algumas passagens do menino João Leite dos Santos, aluno de uma escola na periferia, onde faz o ensino fundamental. Ele ficou conhecido na escola como Joãozinho Leite, por orientação da mãe, com o fim de evitar comparações com o Joãozinho peralta, sempre citado nas historinhas de humor. Esse meu pequeno amigo é comportado, não é matreiro, mas em contrapartida tem a mania de perguntar incessantemente à sua mãe, dona Lourdes, sobre tudo e sobre todos, o que considero uma virtude, pois uma pergunta leva a uma resposta e a resposta ao conhecimento.
Naquela tarde, logo que chegou da escola, Joãozinho Leite perguntou à mãe o que era terceirização, palavra que houvera escutado num diálogo entre sua professora e uma colega. Lourdes, mesmo espantada com a pergunta do filho, respondeu: “é quando alguns serviços são passados para outros fazerem, com o objetivo de melhorar os custos e alcançar maior eficiência”. “Mas, porque me pergunta isso, filho?”, quis saber. Compenetrado, meu amigo diz: “é que a tia (professora) Rita disse para a tia Suzi que o prefeito terceirizou a merenda escolar”.
Um ano e poucos meses após, Joãozinho chega à sua casa e assim que abraça a mãe dispara: “mãe, a senhora disse que a terceirização é para reduzir custos, mas na escola estão dizendo que a merenda custava R$ 2,3 milhões para a Prefeitura e, com a tal de terceirização, está custando R$ 4,4 milhões, não entendi”. “Esse menino é esperto”, pensou Lourdes, mas não quis entrar em discussão sobre a tão alarmante alta. Refletiu que esse aumento poderia ser na época do José Sarney, mas não naquele ano de 2005, quando a inflação foi de apenas 5,69%. “É melhor você perguntar a seu pai”.
No início da noite, o contabilista Manoel chegou em casa e logo foi abordado pelo filho: “pai, porque a merenda foi de R$ 2,3 milhões para R$ 4,4 milhões?”. O pai ficou por alguns minutos em silêncio, pensativo e refletiu que, dependendo de sua resposta, poderia se indispor com o rei e seus amigos e até sofrer um processo por calúnia e difamação. Manoel, que de português não tinha nada, resolveu sair pela tangente. “Um aumento enorme desses pode ter sido causado por uma inflação alta, pela sazonalidade de produtos, como as hortaliças, verduras e frutas, ou até mesmo pela variação do dólar”.
Joãozinho escutava muito as conversas dos professores e de seu pai com amigos. Quando era convidado a se retirar do recinto escutava atrás da porta, tamanha era sua vontade de ter conhecimentos como os de seu pai. “Mas, pai, dizem que a inflação está sob controle e ninguém entende esse aumento, eu te pergunto se pode estar havendo corrupção?”. Discreto, Manoel ficou até um pouco nervoso, e tentando por fim à conversa disse ao filho: “a denúncia de corrupção é grave filho, se falar a gente tem que provar”. E continuou: “não sei se houve corrupção: vamos deixar para a Promotoria investigar”.
No dia seguinte, à noite, novamente meu amigo Joãozinho foi fazer novo interrogatório ao pai. “O que significa cartel?”. Manoel não ligou a pergunta com o diálogo da noite anterior e discorreu: “cartel, filho, é quando duas ou mais empresas se unem, combinam preços e vendem mais caro ao poder público. Normalmente contam com funcionários ou agentes públicos corruptos. Isso é ilegal e imoral e a prática tem que acabar no Brasil”. Joãozinho não conseguia ficar quieto. Novamente contou o que ouviu em uma rodinha de professores na escola: “dizem que em nossa cidade tem cartel da merenda, pai”. Para não se comprometer com o tucanato, Manoel foi enérgico. “É hora de criança dormir; já para a cama”, filho.
A história de Joãozinho não pararia por aí. Como o pai estava se esquivando do assunto, resolveu dialogar com a mãe no sábado seguinte. Começou dizendo “mãe, não acho que há cartel da merenda, deve ser intriga da oposição, como disse o prefeito; ele está cansado, triste, até disse que chorou”. E continuou: “eu não acredito. A senhora sabe, ele fala bonito, com voz alta, até parece que vai desmaiar. Ele é bonzinho, tem muitos amigos na Prefeitura, deu muitos empregos”. Como houvera visto o prefeito na televisão, disparou: “acho que a promotora quer que ele saia e volte para o Guaçu, mãe!”. Angelical e professoralmente a mãe disse: “não há nada disso, meu filho, ela apura e manda para o Juiz decidir”. Tentou finalizar a conversa, “e hoje eu te ensino mais uma: onde há fumaça há fogo”.
No domingo, no sítio da avó materna, Joãozinho Leite deparou com um tucano em uma árvore, olhou para a mãe e disse: “eu adoro todos os tucanos, mãe, eles são lindos”. Voltou a tocar no assunto da merenda, procurando entender o que estava acontecendo: “mãe, antigamente tinha bife de filé mignon e agora, com a terceirização, estão servindo músculo com batata, músculo é mais caro que filé mignon?”. Após receber a explicação da mãe, perguntou: “o leite ‘C’ custa menos que o leite ‘A’? Eu pergunto por que agora com a terceirização estão servindo leite ‘C’". A mãe, ao tentar ficar longe do assunto, disse ao filho : “Joãozinho, você já tem leite no nome, deixe isso de prá lá”. E o Joãozinho continuou com dúvidas sobre a terceirização: “a merenda piorou e o povo pagou. Houve corrupção?”. A mãe, tucana enrustida, sempre respondia: “Não houve corrupção, é tudo culpa da oposição”.
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.
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