Nosso Cantinho O IMPACTO – 12.05.2012
As lágrimas de uma mãeMaurinho AdornoAo iniciar o namoro com o Egídio, um jovem galanteador, Terezinha não tinha ideia do futuro que a esperava. Noivar, casar e ter filhos era algo previsível, como havia acontecido com duas de suas amigas mais próximas, companheiras no corte de cana, atividades que exercia diariamente, desde o raiar até o por do sol. Deveria, dentro de sua simplicidade, seguir os passos de sua mãe, a Marilda, uma excelente dona de casa e ao mesmo tempo faxineira em casas de pessoas com bom nível financeiro. Era, realmente, seu sonho. O trabalho nas fazendas de uma usina era realizado sob o sol causticante; ela comia comida fria, e amargava, de vez em quando, alguns cortes no corpo pelo manuseio das folhas verdes da cana. A função de diarista, embora menos rentável, daria oportunidade para desgastar menos seu corpo e ter mais tempo para ficar com o Egídio.No mês de maio, quando completou 17 anos, recebeu a notícia de que a usina iria dispensar 80% dos cortadores de cana, trabalho que seria executado nas áreas planas por grandes máquinas. Ficariam apenas 20% dos trabalhadores para as áreas acidentadas, onde o trabalho mecanizado era inviável. A notícia da demissão em massa, ao contrário de seus companheiros de trabalho, não foi motivo de angústia para Terezinha. Era o momento certo para deixar de ser boia fria e ter um trabalho mais limpo, trocando a boleia do caminhão pelos ônibus circulares no novo trabalho de diarista. Marilda desde cedo a ensinara a limpar a casa humilde em que viviam na periferia, e era a porta de entrada nas residências, pois acumulara um currículo invejável junto às donas de casa. Recusava sempre novas faxinas e agora indicaria a filha. Não titubeou, foi até seu chefe e se colocou à disposição para ser demitida.A vida de Terezinha teve uma transformação muito grande a partir do trabalho como diarista. Casou-se com o Egidio aos 17 anos, com autorização de seus pais. Uma união perfeita. No primeiro ano conseguiram entrar em programa de casa própria do antigo Banco Nacional de Habitação, BNH, e mais um ano depois estava morando sob seu próprio teto. As mensalidades do financiamento era compartilhada pelo casal, parte proveniente do trabalho de faxineira e parte da remuneração recebida por Egídio, como pedreiro, especializado em assentamento de pisos e azulejos. Ela reiniciou os estudos e aos 21 anos concluiu o Colegial, mesmo ano em que teve um filho, o Pedro. Resolveu cursar uma faculdade e sua vida ficou atribulada: trabalho durante o dia, escola à noite, além dos serviços domésticos, sempre compartilhados com o marido. Tornou-se professora em 4 anos.A criação de Pedro foi primorosa. Ela o acompanhava nas lições de casa, fator importante para que sempre ficasse colocado entre os primeiros alunos da classe. Egídio, de seu lado, era um excelente companheiro e amigo do filho, sempre o acompanhando nas partidas de futebol da equipe do bairro. O menino tinha boa habilidade com a bola e logo se tornou atacante da equipe. Muitos acreditavam que ele se profissionalizaria e iria jogar em um grande time da capital, muito provavelmente no Corinthians, equipe do coração do pai. Mas, o menino gostava mesmo era de medicina. Estava sempre passando pelo postinho do bairro, conversando com enfermeiros e médicos. Era seu sonho ser médico, poder fazer cirurgias, enfim, curar pessoas. Havia sofrido muito com a enfermidade e morte de sua avó Anita. Dizia, na ingenuidade própria de uma criança: “se eu fosse médico minha avó não tinha morrido”.Desde o nascimento de Pedro, o casal mudou de vida, iniciando um período de trabalho aguerrido. Egídio desempenhava suas funções durante o dia em uma construtora e dedicava algumas horas do período noturno para fazer pequenos reparos em residências. Os sábados também eram dedicados a serviços extraordinários. Terezinha, de seu lado, além de lecionar costurava no período noturno, aumentando a receita familiar. Todo o dinheiro era depositado em caderneta de poupança para que ela realizasse seu grande sonho, conhecido por parentes e vizinhos – ver seu filho formado médico. Após anos de estudos, Pedro prestou o vestibular e passou em 2º. lugar na Faculdade de Medicina da USP. Ele foi morar em São Paulo, em uma república de estudantes, e seis anos após, já formado, passou a integrar o corpo médico do Hospital das Clínicas. Amanhã, Dia das Mães, como o faz todos os anos, estará acariciando a cabeça de cabelos brancos de Terezinha. E ela, como em anos anteriores, derramará lágrimas tão logo aquele homem de branco entre em sua casa. Lágrimas de alegria e de satisfação pelo dever cumprido.
Mauro de Campos Adorno Filho é jornalista,
e ex-diretor dos jornais O Impacto e Gazeta Guaçuana.
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